É bem provável que todos nós tenhamos conhecimento sobre estes três fatos, em especial durante a pandemia:

  • 1

    As empresas que vendem produtos e que, por isso, estão sujeitas ao recolhimento de ICMS não receberam, de maneira específica, auxílio emergencial dos governos estaduais. Ao contrário das práticas adotadas por vários municípios e pela União, os Estados ainda mantêm a cobrança de ICMS tal como prevista na legislação – isso é, sem prorrogações de vencimento e/ou de pagamento de parcelamento, nem abatimento em juros e em multa, em caso de atraso. 

  • 2

    A tramitação do Projeto de Lei Complementar (PLP) n.º 149/19, já votado e aprovado na Câmara dos Deputados (e pendente de análise pelo Senado)  [1], que prevê ajuda financeira emergencial da União aos Estados e aos Municípios. A ideia é compensar a queda de arrecadação de ICMS [2] e de ISS, respectivamente, deste ano em relação a 2019, por conta do enfrentamento ao coronavírus.  Até por isso, o uso do dinheiro repassado deverá ser vinculado em práticas de combate à doença. Estima-se que a redução desta receita seja de 30% em comparação ao período de maio a outubro do ano passado (Fonte: Acesse Aqui

  • 3

    No apagar das luzes de 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu que a declaração seguida do não recolhimento intencional e reiterado (“contumaz”) de ICMS pode constituir crime. [3] Segundo os Ministros, e em linhas gerais, a empresa que repassa o imposto aos contribuintes, embutido no preço da mercadoria, declara o valor, mas não faz o pagamento aos cofres públicos do Estado estaria cometendo crime de apropriação indébita tributária.

O que estes eventos têm comum, ou qual a ligação entre eles?

O elo, certamente, é a pandemia que estamos vivenciando. 

Em meados de março, quando o país praticamente parou, os empresários preocuparam-se em resolver os problemas mais urgentes, com o emprego das armas que estavam ao alcance da mão: aderiram às medidas trabalhistas (em especial àquelas descritas nas MPs 924 e 936), (re)negociaram dívidas com fornecedores, repactuaram cláusulas contratuais, apoiaram-se em pacotes tributários de prorrogação de pagamento (de tributos federais – PIS/COFINS, contribuições previdenciárias [4], parcelas do SIMPLES NACIONAL; de tributos municipais – em Maringá)

O objetivo foi, e ainda é, o de não fechar as portas – somando ao de não diminuir sensivelmente o quadro de funcionários.

O ponto é que, em uma leitura atenta ao que foi dito até aqui, é possível verificar que alguns setores – em razão da atividade que desenvolvem – foram organicamente mais ajudados que outros. 

Voltemos, então, ao recolhimento de ICMS. Os Estados (dentre eles, o Paraná), destinatários desta arrecadação, muito provavelmente receberão auxílio federal com a aprovação final do PLP 149; às empresas paranaenses que vendem produtos, por sua vez, não está sendo endereçado socorro (com a regulamentação de prorrogação dos vencimentos, de descontos – até o momento) vinculado a este imposto. 

Especificamente sobre isso, as medidas emergenciais adotadas pelos empresários provavelmente passaram por um destes cenários:

  • a)

    opção pelo pagamento do ICMS, com possível desfalque de caixa e eventuais demissões; 

  • b)

    não pagamento de ICMS, ainda que estivesse regular no período pré-pandemia, para evitar o fechamento;

  • c)

    ainda, não pagamento continuado de ICMS, já que a situação financeira vinha difícil antes mesmo de março deste ano e se agravou depois disso.

 

A sócia Noroara Moreira deu entrevista hoje (29/04) sobre o assunto para a rádio CBN. Destacou a importância da análise de riscos nas empresas e a relativização da decisão do STF que criminalizou o não recolhimento proposital e reiterado de ICMS. Ouça a íntegra da entrevista:

 

 

Entre viver – ou, entre conseguir manter a empresa em funcionamento com parcela dos funcionários – e recolher o ICMS, é possível que muitos tenham tomado a primeira opção.

Passado o incêndio inicial, quais as consequências desta prática (não recolhimento) na segunda fase de pandemia (de reabertura parcial e gradual das atividades, principalmente comerciais)?

O valor declarado (com o cumprimento das chamadas obrigações acessórias: “devo, não nego”) e não pago de ICMS poderá ser futuramente parcelado; o risco encontra-se justamente nos valores referentes à atualização (juros/correção) e à multa. [5]

Mas sobre este ponto é plausível sustentar discussão judicial (com o objetivo de afastar as penalidades): o contribuinte que estava regularizado e que deixou de recolher o imposto neste período pode, havendo provas, demonstrar que não deu causa à mora, preenchidos os requisitos específicos; isso é, que “não atrasou porque quis”, mas porque precisou, para manter a operação nesta situação atípica. 

Estaria este empresário sujeito, ainda, à prática de crime de apropriação indébita (tributária)? A resposta passa pelo entendimento dos termos apresentados pelo STF [6] e em que medida podem ter aplicação aos casos vivenciados na atualidade.

O primeiro apontamento que se faz é que, para a configuração de crime, o não recolhimento do ICMS/a intenção de obter para si os valores cobrados do consumidor final deve ter sido proposital – declarado, recebido e não pago.

O segundo refere-se à palavra contumaz: além de o imposto não ter sido propositalmente recolhido, a prática – de não pagamento – deve ser reiterada, repetida

Em razão disso, é possível excluir da esfera criminal os empresários que 1) pontualmente fizeram as vendas, receberam os valores e, por motivos relacionados à pandemia, deixaram de pagar ICMS; 2) realizaram as vendas, mas não receberam os valores (não houve, por isso, apropriação).

Nesta segunda hipótese podem ser enquadradas, por exemplo, as atividades sujeitas ao regime de substituição tributária, em que o recolhimento antecede a própria venda. É bem defensável, portanto, a inexistência de crime (até porque, em situações normais, a ausência de venda autoriza o empresário, inclusive, a pedir os valores pagos de volta).

E para os casos em que os produtos são vendidos; os valores, pagos; a operação, declarada; o imposto, não recolhido repetidamente? Se esta prática estiver inserida no contexto da pandemia, é viável sustentar a descaracterização de crime em razão da “inexigibilidade de conduta diversa”.

Posto entre a cruz e a espada, o empresário optou pela manutenção das atividades ao pagamento regular do ICMS. É importante que este dilema possa ser documentalmente demonstrado: situação de regularidade pré-pandemia X necessidade aguda de proteção de caixa, sob pena de demissões em massa e/ou fechamento das portas após março de 2020.

Acredita-se que a decisão do Supremo (e a abrangência da aplicação do novo entendimento sobre a criminalização) deva ser bastante relativizada em tempos de Covid-19.

[ 1 ]  O que poderá ocorrer nesta quinta, dia 30/04.

[ 2 ]  De acordo com o texto da Constituição Federal, 25% do ICMS recolhido devem ser entregues aos municípios do Estado “arrecadador”. O PLP 149 propõe que esta parcela seja endereçada diretamente da União aos municípios.

[ 3 ]  RHC 163334. Art. 2º, II da Lei n.º 8.137/90: Constitui crime da mesma natureza (...) II – deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos.

[ 4 ]  Portarias 139 e 150*

[ 5 ]  Caso haja autuação fiscal, passados os prazos de suspensão de fiscalização.

[ 6 ]  No julgamento do RHC 163334.

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