Por Poliany Crevelaro / Direito Digital, Direito Trabalhista, LGPD / 24 novembro, 2020

A transformação da sociedade, voltada aos meios informatizados e telemáticos, alteram as relações pessoais e profissionais. A sociedade se torna cada vez mais digital, orientada pelos dados, matéria prima do mercado moderno, o que gera um fluxo internacional de dados.

O compartilhamento de informações pessoais, seja em sites de compras, buscas, redes sociais, e-mails, virou rotina e tais compartilhamentos geram elevado valor econômico.

A Lei Geral de Proteção de Dados (n.º 13.709/2018) foi criada para regulamentar as questões relacionadas ao tratamento de dados digitais, ou não, que identificam ou podem identificar o titular (pessoa natural/física). Já falamos sobre o tema em diversos artigos.

O objetivo deste artigo é trazer dicas práticas sobre a aplicação desta lei ao ambiente de trabalho. Vamos a elas.

Na rotina das relações de trabalho, há constantemente o tratamento de dados dos empregados e demais prestadores de serviços em todas as fases, desde a entrevista, contratação, treinamento, e extinção do contrato de trabalho, de forma que o empregador deve se atentar aos fluxos a elas inerentes.

Importante ressaltar que o empregado, titular dos dados, deve estar ciente de como funciona o armazenamento e a política de privacidade da empresa, tanto para ciência e análise próprias, como para executar corretamente os processos internos do empreendimento, no que se refere a dados pessoais ou pessoas sensíveis dos clientes- tomadores de serviço ou compradores de produtos.

A Aplicação da LGPD na fase pré-contratual

O ponto sensível da aplicação e do controle de dados nas relações de trabalho tem início no processo seletivo. É necessário organizar e verificar se a atividade é realizada por meio físico, virtual, de que forma o armazenamento dos dados é feito, por quanto tempo, se há ou não compartilhamentos com terceiros (recrutadores, por ex.) e, por fim, se existe política de eliminação de currículos.

Ainda, quando da abertura de um processo seletivo é preciso observar qual o foco da vaga e quais os dados necessários para o preenchimento dela – é exatamente sobre isso que tratam os princípios da finalidade, da necessidade e da adequação, tão caros à LGPD.

O ideal é que se colete apenas os dados que forem estritamente necessários à execução da atividade. Em determinada organização pode fazer sentido que o candidato forneça dados relacionados à origem racial (caso, por ex., exista políticas internas de integração); em outras, não. Mas, mesmo no caso de coleta de dados pessoas sensíveis, como é o caso da origem racial, é possível que organização anonimize-os ou pseudonomize-os (sobre o tema, leia o artigo), para que sejam utilizados apenas para a finalidade anunciada (aqui no exemplo, políticas internas da empresa).

Ainda sobre esse assunto é importante lembrar que a legislação brasileira possibilita a coleta de dados diferenciados do candidato, a depender da função a ser exercida. É o caso do motorista profissional, que deve se submeter ao exame toxicológico nos termos do artigo 168, § 6°, da CLT; e do vigilante, que deve providenciar atestado de antecedentes criminais nos termos dos artigos 12 e 16, VI, da Lei n. 7.102/1983 c/c art. 4°, I da Lei n. 10.826/2003.

Outra situação que deve ser levada em consideração: o acesso aos dados inseridos nos currículos. Caso sejam enviados por uma infinidade de canais (o ideal seria limitá-los aos que são mais seguros e/ou aos que atendam à rotina da empresa), é importante restringir o respectivo acesso às pessoas diretamente ligadas ao preenchimento das vagas.

A base legal “clássica” para tratamentos dos dados na fase pré-contratual está disposta no art. 7º, V, da LGPD (execução de contrato, no caso, o de trabalho). É de interesse mútuo, empresa e candidatos, que os dados sejam tratados até o fim do processo seletivo. Por esse motivo já se exclui a necessidade de coleta de consentimento do colaborador to be; essa base, inclusive, não pode ser utilizada, em regra, para este tipo de atividade, considerando que, para conseguir preencher a vaga, o candidato fornecerá praticamente tudo que empregador solicitar (consentimento “viciado”).

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Tratamento de dados na vigência do contrato de trabalho

Após a fase pré-contratual, de seleção e fases de admissão, tem-se a fase de contratação e treinamento em que são coletados todos os dados necessários para registro, para a execução do contrato de trabalho – ex. nome completo, cpf, rg, título de eleitor, cnh, endereço, certidão de casamento, filhos, cartão de saúde, foto 3x4, PIS, carteira trabalho, entre outros.

Durante o período que o colaborador permanecer na empresa, seus dados continuam sendo tratados, não havendo que se estabelecer um plano de eliminação.

A base legal para o tratamento de dados no decorrer da relação de trabalho está disposta tanto na execução de contrato quanto no cumprimento de obrigação legal (incisos V e II, do art. 7º, da LGPD, respectivamente).

Ainda quanto ao tema, a CLT, em seu art. 12, dá permissão para o armazenamento eletrônico de dados relativos a deveres e obrigações trabalhistas; já o art. 41 aponta que é dever do empregador manter o registro dos empregados, com dados relativos à sua admissão, duração e efetividade no trabalho, informando férias, acidentes e demais circunstâncias que interessem à proteção a dignidade do trabalhador.

O compartilhamento de dados é importante para resguardar os interesses da empresa e atender às regulações legais e fiscais, garantindo pagamento de salários, encargos, organização de férias, banco de horas, entre outros.

Tratamento de dados após o término do contrato de trabalho

Com o encerramento do contrato de trabalho, os requisitos da LGPD também devem ser observados. Os dados arquivados no decorrer do contrato de trabalho devem permanecer armazenados após o encerramento do contrato para fins trabalhistas, previdenciários e disponibilização aos órgãos públicos de fiscalização.

Considerando que há o prazo prescricional para propositura de ação trabalhista (de dois anos, contados da data do desligamento) e, tendo em vista que o colaborador pode pleitear verbas dos últimos 5 anos trabalhados, sugere-se que a manutenção dos dados seja feito durante o período maior (5 anos).

Assim, ainda que o empregado solicite a eliminação dos dados logo após o encerramento do contrato, o empregador está resguardado pela base “cumprimento de obrigação legal” para mantê-los pelo período apontado.

Isso não significa dizer, contudo, que o empregador pode tratar os dados para finalidades diversas que as descritas pela legislação trabalhista: se o armazenamento foi fundamentado no cumprimento de obrigação legal, é para este fim de que deve ser empregado.

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