Bancos ou startups? O que são as fintechs e como elas podem ser estruturadas no Brasil

Laila Gerdulli / Direito Digital, Direito Societário
16 março, 2021

O termo fintech surgiu há alguns anos e tem se tornado cada vez mais comum no nosso dia-a-dia. E não é para menos: estima-se que existam, hoje, aproximadamente, 800 empresas classificadas de fintechs no Brasil.

Você já até mesmo deve saber que o termo fintech é uma junção das palavras financial (financeiro) e technology (tecnologia), designando negócios que atuam nessas duas frentes. Mas, na prática, qual a estrutura de uma fintech?

É normal que se associe esse tipo de negócio a startups, com negócios extremamente inovadores, disruptivos, fresh, hi-tech e cheios de outros termos em inglês, e aos próprios bancos, instituições consolidadíssimas, inseridas num mercado burocrático e que demanda investimentos milionários.

De fato, as fintechs podem ter qualquer uma dessas formas – mas também podem ser bastante diferentes disso.

Na verdade, o termo é bastante genérico porque estamos justamente diante de um mercado que está em franco crescimento e que permite quase que incontáveis possibilidades.

O Banco Central do Brasil (BCB), órgão que regulamenta o mercado financeiro e supervisiona as atividades bancárias, tem editado diversos atos normativos para regulamentar essas atividades, inclusive criando alguns formatos específicos de negócio.

Fintechs de Crédito

Os maiores exemplos de figuras formatadas pelo BCB, foram as Sociedades de Crédito Direto (SCD) e a Sociedade de Empréstimo entre Pessoas (SEP), ambas criadas em 2018, para o mercado de crédito, com atuação 100% online.

Pela regulamentação, a SCD é uma empresa que pode oferecer empréstimos a pessoas físicas ou jurídicas, além de poder prestar serviços como análise de crédito, cobrança, representação e distribuição de seguros, emitir moeda eletrônica e até mesmo cartões de crédito.

Embora sua atividade deva ser autorizada pelo BCB e possa realizar várias atividades relacionadas, a SCD não é uma instituição financeira (um banco) propriamente dita e, por isso, está sujeita a uma regulamentação muito mais simplificada.

Também em razão disso, no entanto, ela é obrigada a atuar apenas com recursos próprios – não pode captar recursos no mercado para utilizar em suas operações de crédito, como fazem os bancos.

A SEP também se diferencia dos bancos por ter uma estrutura bem mais simplificada, embora também deva ser autorizada pelo BCB. No modelo desenhado para as SEPs, no entanto, o crédito oferecido é captado diretamente no mercado, num formato que é conhecido como peer-to-peer lending, sobre o qual já comentamos aqui.

Na prática, a SEP é uma empresa que disponibiliza uma plataforma eletrônica para unir aqueles que precisam de crédito com quem pode prover recursos e assumir os riscos da operação, com a possibilidade de retornos de rentabilidade maiores.

Assim, a SEP não recebe diretamente os recursos ou os oferece, mas apenas realiza a análise dos créditos, disponibiliza todas as informações necessárias aos investidores e atua como intermediadora da operação.

Fintechs de Pagamento

Ainda mais pujante é segmento das fintechs de pagamento no mercado financeiro. Isso se deve especialmente ao fato de que esses negócios não exigem investimentos tão elevados e que, em sua maioria, não precisam de autorização do BCB para atuar.

Além disso, a gama de atuação é muito mais ampla. Imagine, por exemplo, a comum situação de fazer qualquer tipo de compra com um cartão de crédito.

Ao passar o seu cartão, a loja envia a transação de compra para a credenciadora, por meio da maquininha de cartão, a qual valida os seus dados com a bandeira daquele cartão, que, por sua vez, solicita ao seu banco as informações de disponibilidade de crédito para aprovar a transação – o mesmo banco que emitiu o seu cartão de crédito.

Isso é o que se denomina um arranjo de pagamento – é, provavelmente, o mais comum que podemos citar como exemplo. Todas as empresas envolvidas nesse arranjo (exceto a loja) são consideradas Instituições de Pagamento.

Nesse caso, ainda, o banco poderia ser substituído por qualquer empresa que emita cartão de crédito ou até mesmo, por uma que emita vale-alimentação, por exemplo.

A legislação prevê para as Instituições de Pagamento (IP) uma gama de atividades muito mais ampla. Para ser considerada uma IP, a pessoa jurídica deve praticar qualquer uma dessas atividades dentro de um arranjo de pagamento: prestar serviço de aporte e saque de recursos mantidos em contas de pagamento, executar o facilitar a instrução de pagamento, gerir conta de pagamento, emitir instrumento de pagamento (cartão), credenciar a aceitação de um instrumento de pagamento, executar a remessa de fundos, gerir o uso de moeda eletrônica, dentre outras atividades previstas pelo BCB.

A grande vantagem é que a burocracia é muito menor para quem está começando: só precisam de autorização do BCB as IPs que apresentem pelos menos R$ 500.000.000,00 em transações de pagamento ou R$ 50.000.000,00 em recursos mantidos em conta de pagamento pré-paga.

O outro tipo de IP que precisa de autorização no Brasil (independentemente de cumprir os requisitos anteriores) é o iniciador de transação de pagamento. Esse seria o tipo de IP em que se enquadraria, por exemplo, o WhatsApp, com a habilitação de realizar compras e transações diretamente no aplicativo (e que certamente poderia ser replicado por outras plataformas)

Atualmente, porém, ainda não existem empresas autorizadas nessa modalidade BCB – provavelmente por ser um modelo de regulamentação muitíssimo recente, que ainda está em análise (e é também por isso que você ainda não pode fazer compras por WhatsApp).

Fintechs como braços operacionais

Esse último exemplo revela um aspecto não tão comentado sobre as fintechs, mas muito mais interessante ao empreendedor comum: a possibilidade de exploração do mercado financeiro – especialmente de crédito ou de pagamentos – como um braço adicional a uma operação existente.

Essa prática já é relativamente comum para empresas um pouco maiores (você já deve ter se deparado com a oferta de fazer um cartão de crédito ao comprar uma camiseta em uma loja de departamentos), mas, com a democratização promovida no mercado financeiro, a tendência é que, cada vez mais, empresas menores também possam se beneficiar dessas possibilidades – tudo isso facilitando ainda mais o acesso do consumidor a crédito, produtos e serviços.

Uma empresa do ramo da construção civil, por exemplo, pode se beneficiar muito de uma operação coligada nesse modelo, bem como outras que trabalhem com produtos ou serviços de ticket alto, ou, ainda, as que tenham maior acesso ao público e possam explorar essas atividades como forma de diversificação.

Apesar de ainda estarmos em um momento de construção das regulamentações desse mercado, são muitas as possibilidades a que o empreendedor deve estar atento e das quais pode se beneficiar – sem que precise se encaixar no perfil de banqueiro ou de startupeiro inovador.

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