Por Laila Gerdulli / Direito Imobiliário, Direito Societário / 25 agosto, 2020

Você provavelmente conhece (ou, possivelmente, até mesmo faz parte de) uma família que possui terras nos arredores de alguma cidade do interior, em alguma área que tenha potencial de ser urbanizada.

Quanto mais próximo da cidade o imóvel, melhores as suas condições para construção e maior a expectativa de crescimento do município em que ele se encontra, maiores serão as chances de essa família buscar um destino talvez mais rentável para essas terras (ou, ao menos, parte delas): a urbanização. Nesse contexto, uma parcela relativamente pequena do imóvel pode trazer rendimentos muito maiores do que os obtidos com anos e anos de colheita de soja – e de forma muito mais rápida.

O que geralmente ocorre, porém, é que essa família, cujo sustento deriva, essencialmente, da exploração de atividade agrícola, não possui o know-how necessário para implementar esse tipo de empreendimento. Daí surgem as parcerias com empresas ou pessoas especializadas na execução de loteamentos e incorporações.

No caso dos loteamentos, é usual que a parceria seja feita no modelo 50/50: os terrenistas entram no negócio com o imóvel e a loteadora fica responsável por toda a execução do empreendimento – desde os trâmites burocráticos até as obras; no final, cada uma das partes recebe metade dos terrenos resultantes do loteamento para comercialização.

À primeira vista, parece se tratar de uma operação bastante simples e a habitualidade desse tipo de negócio faz com que as partes deixem de lado precauções que seriam fundamentais; afinal, nesse momento eufórico e cortês de negociação, a confiança entre as partes é quase inabalável. Além disso, na maioria das pequenas cidades, ainda que movimentem quantias consideráveis de dinheiro, as negociações e contratações ainda são feitas de maneira extremamente informal e amadora.

Os problemas que costumam surgir desse tipo de operação, no entanto, apesar de também muito comuns, não são nada singelos.

E eles podem ser das mais diversas naturezas: desde problemas com a própria concepção do empreendimento (como avaliações de mercado equivocadas), até problemas com a administração pública para aprovação do loteamento e com a execução das obras, como má prestação de serviços por fornecedores, atrasos, inadimplemento dos adquirentes de lotes etc., ou, ainda, conflitos internos entre os proprietários – não é raro se surpreender com o surgimento de um inventário sobre o imóvel no meio de todo esse processo.

O que fazer, então, nesses casos? Ou, ainda, o que fazer para evitar que ocorram esses problemas – ou que eles tenham seus efeitos, pelo menos, mitigados?

Isso dependerá da forma como foi (ou será) estruturada a parceria.

O começo de tudo

Já comentamos, neste artigo, que as parcerias entre terrenistas e loteadoras podem ser estruturadas, basicamente, de 7 formas diferentes. São elas: (i) o contrato de parceria; (ii) o consórcio; a permuta, que pode ser (iii) física, (iv) com reserva de fração ou (v) financeira, e; a constituição de sociedade, nos formatos de (vi) Sociedade de Propósito Específico – SPE, sob a forma de sociedade limitada ou anônima, ou (vii) Sociedade em Conta de Participação – SCP.

Cada um desses formatos apresenta riscos diferentes e exige cautelas igualmente diversas para a proteção do interesse das partes.

O contrato de parceria, por exemplo, não tem exigências específicas ou forma prevista em lei. Isso o torna um instrumento extremamente flexível às preferências das partes. No entanto, justamente por não ter um formato típico a ser seguido, na prática, combinado com a excessiva informalidade do contexto em que é concebido, acaba sendo um documento muitíssimo genérico e até mesmo alheio às vontades das partes e circunstâncias do negócio.

É importante que as partes – não somente no contrato de parceria, mas nos modelos de negócio que serão mencionados a seguir – entendam a sua liberdade de contratar e usem-na a seu favor, estabelecendo regras e parâmetros feitos sob medida para sua situação. Esse fator é especialmente relevante quando há a possibilidade de haver algum conflito (ou seja, sempre), para que as partes não dependam de regras genéricas e subjetivas da lei brasileira e das criativas interpretações e decisões do Judiciário para resolverem seus problemas.

Mesmo no caso do consórcio, embora se trate de um contrato com formato previsto em lei, é possível construir obrigações que façam mais sentido às partes e à operação. Ademais, vale lembrar que, nesse formato, é criado um CNPJ para o empreendimento (mesmo sem a abertura de uma empresa) e é fundamental que as responsabilidades e regras de operação e administração sejam esclarecidas.

Nas permutas, é importante atentar-se aos prazos e condições de transferência dos imóveis e, quando for caso, pagamento. Ainda que não seja o formato mais vantajoso do ponto de vista tributário, ele é ainda bastante usual; vale ressaltar, porém, que este modelo pode ser mais problemático por exigir menos sinergia entre as partes.

Por fim, a constituição de sociedades, é, na maioria das vezes, o modelo ideal a ser adotado em operações mais sofisticadas.

Além de oferecer vantagem tributária, a constituição da sociedade, por si, atrai mecanismos mais elaborados de restrição de alienação de bens, deliberações, administração do patrimônio e pagamento de ativos em caso de retirada dos sócios. As partes podem, além disso, firmar acordos de sócios tratando de questões específicas e confidenciais entre elas. É evidente, porém, que esse nível de sofisticação não é alcançado com a adoção das minutas padronizadas de constituição de sociedade fornecidas pela Junta Comercial: caberá, novamente, às partes estabelecer as regras do negócio da forma que mais se adaptem ao caso concreto.

Posto tudo isso, fica claro que existem mecanismos de todos os tipos – e para todos os gostos – para a formalização de parcerias entre terrenistas e loteadores para a implantação de empreendimentos imobiliários. E todos eles, ressalte-se, devem ser utilizados de maneira personalizada pelas partes, a fim de retratar sua real situação no negócio e evitar desentendimentos futuros, que poderão gerar disputas.

Tarde demais

E se o problema aconteceu e nada disso foi feito?

Ao menos um conforto: lembre-se de que você não está sozinho. Embora esse cenário esteja mudando, infelizmente, os empreendedores (sejam os terrenistas ou os loteadores) que firmam operações mais adequadas e bem estruturadas ao seu negócio, como já dito, ainda são minoria.

Caso ocorra algum problema (ou haja em na iminência de ocorrer), a primeira medida é analisar a situação de maneira calma e o mais objetivamente possível. Nessas situações, é comum que os ânimos sejam aflorados e os sentimentos se confundam com os negócios.

Por isso, é essencial o acompanhamento de um profissional qualificado e que, de preferência, não esteja envolvido no negócio – se o advogado for um dos herdeiros do imóvel, por exemplo, dificilmente ele conseguirá enxergar a situação com clareza.

Independentemente do problema, o ideal, na imensa maioria dos casos, é tentar resolver a situação por meio de um acordo.

Para isso, todavia, é necessário ter em mente que o problema não será resolvido se não houver concessões por ambas as partes. Em muitos casos, ainda que seja evidente para uma das partes a má-fé da outra, ela nem sempre possui provas tão robustas ou é, aos olhos de terceiros, tão grave quanto parece.

Desta forma, num cenário de negociação, para que a disputa seja resolvida de maneira verdadeiramente eficaz, é essencial que as partes tentem, ao máximo, deixar de lado a pessoalidade.

Deve-se ressaltar que a grande vantagem de se elaborar um documento de formalização da parceria de maneira adequada, sob qualquer um daqueles formatos apresentados anteriormente neste artigo, é justamente a possibilidade de prever os problemas e – o mais importante – as respostas a eles, seus efeitos e seus limites.

De fato, prever, por exemplo, que situações X, Y ou Z são consideradas infrações contratuais, suscetíveis de multa, que as obras são consideradas em atraso depois de determinado número dias, por determinadas causas, que a comercialização de lotes deve ser realizada obedecendo regras específicas ou que tais documentos são, para as partes, provas legítimas de determinada situação, é uma verdadeira forma de “cortar o mal pela raiz”: se não há espaço para discussões maliciosas, elas dificilmente serão suscitadas.

Importante lembrar, ainda, que essas regras serão definidas no começo da operação – ou seja, no “namoro” –, a fase em que as partes estão empolgadas, confiantes e com uma visão positiva uma da outra (afinal, se assim não o fosse, não estariam fazendo o negócio). Negociar esses termos após uma quebra de confiança – no “divórcio” – é significativamente mais complicado.

E, ainda, que ocorra o tão temido conflito, se existem regras e parâmetros claros, certamente será mais fácil encontrar uma solução sem a adoção de medidas desonestas.

Caso o acordo não seja alcançado, a discussão terá que ser levada ao âmbito judicial.

Disputas nesse nível são o que chamamos de litígios estratégicos: casos que exigem atuação estratégica, profundidade técnica, experiência profissional, acompanhamento vigilante e combatividade. São, geralmente, processos de alta relevância e complexidade para os envolvidos.

Se processos judiciais, de modo geral, já tendem a ser extremamente demorados, caros e estressantes, muito mais o são esses litígios que representam discussões tão complexas e de valores tão relevantes.

De maneira muitíssimo simples e resumida, o processo necessariamente envolverá a coleta de todas as provas possíveis e necessárias para a comprovação das alegações da parte, o que pode ser uma etapa bastante trabalhosa.

Autuada a ação (após o devido pagamento das custas), o primeiro empecilho pode ser já na citação da contra parte: se são vários os réus (por exemplo, nos casos em que o terreno foi herdado e não houve divisão), eles precisarão ser todos citados para apresentar defesa; a loteadora, como ré, pode também tentar se ocultar para se esquivar da situação. As partes, em regra, são chamadas a uma audiência inicial de conciliação para tentativa de acordo (que será marcada de acordo com a agenda do Judiciário) e, só então, iniciará o prazo para defesa dos réus.

Somente após a apresentação da defesa e de uma réplica, o juiz analisará o processo com mais calma e definirá quais serão as provas a serem produzidas – que poderão ser outras audiências com oitiva de testemunhas, perícias etc.

Note-se, no entanto, que, nesse ponto, antes mesmo de as partes começarem a produzir as provas no processo, muito provavelmente já se passaram alguns anos desde o surgimento do imbróglio e a paralisação da execução do empreendimento. Com o fim do prazo de entrega do empreendimento sem que ele esteja finalizado, os adquirentes também procurarão o Judiciário para exigir sua devida reparação. Por exigência legal, o município também deverá processar os empreendedores pelo descumprimento do prazo.

A definição e extensão das responsabilidades de cada uma das partes no momento da negociação da parceria é, em razão disso, fundamental em momentos como esse. Se não há, no contrato, nada a respeito, a parte inocente acabará respondendo pelas infrações da parte culpada – absorvendo todos os prejuízos resultantes delas.

Assim, o(s) litígio(s) se alongará(ão) e se desenvolverá(ão) ainda mais no tempo, à medida que não são claras, para o juiz e para os terceiros, as obrigações que tinha cada uma das partes no negócio, o que implicaria o seu descumprimento e qual delas deve arcar com os prejuízos.

É por isso que uma atuação estratégica em casos como esse é fundamental para eliminar (ou minimizar) os prejuízos daqueles que não deveriam sofrê-los.

Esse tipo de atuação pode envolver pedidos de liminares (e, talvez, não as mais óbvias, que poderiam implicar mais ônus à parte que já está prejudicada), a apresentação de provas realmente robustas e relevantes para fundamentar os direitos da parte inocente etc. Cabe ressaltar que uma das estratégias a serem adotadas no ambiente litigioso pode ser, até mesmo, a tentativa de imposição de um acordo entre as partes, já que, na maioria dos casos, essa atitude é incentivada pelo Judiciário.

É evidente, enfim, que cada caso possui suas peculiaridades e é exatamente desta maneira que eles devem ser tratados, em qualquer fase da relação negocial em que se encontrem as partes.

Tanto os terrenistas quanto as loteadoras devem contar com apoio adequado para realizar negócios que respeitem suas necessidades e os riscos que pretendem tomar, assim como para a resolução de disputas e litígios estratégicos.

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