Por Bruna Moccelin Zuffo / Direito Trabalhista / 11 agosto, 2020

Quando tratamos das fiscalizações trabalhistas, um dos maiores desafios das empresas é saber como lidar com as inúmeras exigências delas decorrentes, e ter a habilidade de comprovar o atendimento de todas as regras trabalhistas existentes.

A falta de experiência de muitas empresas e a parca assessoria podem gerar consequências graves e permanentes.

Essas fiscalizações geralmente são encabeçadas pelo Ministério da Economia e Trabalho, e pelo Ministério Público do Trabalho.

A atuação deste se dá por meio do Procurador Regional do Trabalho, que possui poderes investigatórios, podendo instaurar inquéritos civis para apurações de faltas, decorrentes do descumprimento da legislação trabalhista.

Já a atuação daquele se dá por meio dos auditores fiscais, que ao constatarem irregularidades podem conceder prazo para regularização e aplicar multas, bem como encaminhar relatórios ao Ministério Público do Trabalho para que ele dê início a um inquérito civil.

No inquérito civil serão apuradas quais as faltas podem ter sido cometidas pela empresa, e se, após ter sido oportunizado a ela prazo para esclarecimentos, for constatado que efetivamente houve o descumprimento da legislação sem justo motivo, o Ministério Público poderá ajuizar uma ação civil pública, para o fim de requerer a condenação da empresa ao pagamento de indenizações por dano moral coletivo, além da obrigação de fazer, consistente no cumprimento da regra outrora desatendida.

Há, no entanto, uma ferramenta muito utilizada pelo Ministério Público para a garantia da ordem jurídica e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, e que não demanda (ao menos, não em um primeiro momento) a judicialização da questão. Estamos falando do Termo de Ajustamento de Conduta, mais conhecido como TAC.

Ele é um verdadeiro contrato que se firma entre a empresa investigada e o Ministério Público, com cláusulas obrigatórias, multas em caso de descumprimento (que, inclusive, podem ser bem pesadas), prazo indeterminado (em regra), e que não precisa de homologação judicial para ter força executiva.

Isto quer dizer que em caso de descumprimento, o MPT poderá ajuizar uma ação de execução, e a empresa será cobrada judicialmente pelas multas previstas no instrumento, sem discutir o conteúdo dele.

Tais destaques não fazem com que o TAC pareça ser muito atraente, certo?

De fato, o termo de ajustamento de conduta, se firmado sem as devidas ponderações e cuidados pode se transformar em um monstrinho de estimação; afinal ele vai acompanhar a sua empresa por longos anos (dada à característica de perpetuidade que ele possui).

Assim, se após uma fiscalização a sua empresa estiver entre a cruz e a espada, algumas dicas podem ser valiosas para se evitar a realização de um mau negócio.

  • Primeiro

    Certifique-se de estar bem assessorado juridicamente – uma boa assessoria jurídica pode: 

    a) evitar que a empresa assuma obrigações impossíveis de serem cumpridas, e que ocasionarão a incidência de multas, as quais (repisa-se) podem ser pesadíssimas;

    b) garantir que a atuação do órgão ministerial seja, efetivamente, em prol do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, sem extrapolar a competência  constitucional a ele atribuída;

    c) garantir que as cláusulas do termo sejam redigidas de forma clara,  de modo a ser facilmente entendidas pelo gestor e pelos empregados;

  • Segundo

    Desenvolva uma avaliação de riscos tão logo tome conhecimento da fiscalização – dessa forma a empresa poderá identificar os riscos existentes para o cumprimento de qualquer determinação imposta pelo MPT, e desenvolver as ações necessárias para o gerenciamento dos riscos identificados. Isto não só irá auxiliar o gestor a entender os problemas que estarão por vir, como mostrará a outra parte uma pró-atividade positiva, no sentido de regularizar as falhas identificadas;

  • Terceiro

    Divulgue aos gestores a situação pela qual a empresa está passando, de modo a criar uma rede de auxílio e despertar um sentimento de colaboração nos empregados – isto será útil para o levantamento de informações importantes que, eventualmente, não tenham sido documentadas e possam influenciar na negociação dos termos do instrumento de acordo, e;

  • Quarto

    Dialogue – como gestor, mostre-se aberto ao diálogo e destaque o papel social da empresa, como sendo a protagonista na criação de inúmeros postos de trabalho, e responsável direta e indiretamente pela manutenção de várias famílias.

Se adotadas as práticas acima descritas, é muito provável que a empresa firme um termo de ajustamento de conduta justo, e mais importante, executável. Mas por que correr o risco de ter que escolher entre um acordo e uma ação judicial?

Se forem adotadas as medidas certas, a empresa, ao se deparar com uma fiscalização – seja do Ministério do Emprego, seja do Ministério Público – estará segura que todas as normas protetivas dos direitos dos trabalhadores estão resguardadas, e possivelmente, não será submetida a um inquérito civil.

Para tanto, seguem as dicas:

Primeiro: organize uma auditoria interna

Auditorias não devem ser vistas como mecanismos para críticas. Apesar delas terem como principal objetivo a verificação de falhas, elas também visam o desenvolvimento de processos de melhoria.

Lembre-se que quando a empresa está sob investigação, todas as falhas, por mais diminutas que sejam, tendem a aparecer.

Assim, divida a auditoria em, pelo menos, cinco etapas:

1ª Escolha o seu time

Independentemente da contratação de um profissional externo para a execução da auditoria, é importante que a empresa designe uma equipe para auxiliar esse profissional, e para acompanhar cada etapa do processo. Deste modo, ao final, a empresa terá profissionais capacitados para manter em ordem as rotinas trabalhistas implementadas, sem “bagunçar a casa” novamente.

2ª Levantamento da documentação

Todos os documentos relativos à gestão de pessoas e à segurança no ambiente de trabalho são alvos das investigações, assim, é importante a reunião de documentos como: contratos de trabalho; fichas de registro; cartões ponto; holerites; ficha de EPIS; exames admissionais, periódicos e demissionais; documentos rescisórios e previdenciários; além dos documentos referentes à segurança e medicina do trabalho.

3ª Análise da documentação.

Após terem sido levantados todos os documentos acima listados, a etapa seguinte pode demandar bastante tempo da equipe, ao passo que ela deverá verificar se os documentos estão de acordo com o que determina a legislação trabalhista e as normas vigentes da categoria dos empregados em que a empresa está inserida. Por exemplo, a equipe deverá verificar se todos os pagamentos sob a rubrica salário são discriminados no holerite; ou se a jornada de trabalho está sendo registrada nos horários e limites estabelecidos pela legislação ou CCT (Convenção Coletiva de Trabalho);

4ª Cronograma para regularização.

Identificadas as falhas, a equipe deve estabelecer um cronograma para a regularização dos problemas, e designar os responsáveis para a execução das tarefas;

5ª Fixação

Com a casa organizada, o desafio será manter a ordem, sem reincidir nos erros então cometidos. Para que as regras sejam fixadas pela equipe, pelos gestores de recursos humanos e dos demais setores, medidas de solidificação devem ser tomadas, como o fornecimento de treinamentos e palestras voltados para os gestores, e para os empregados em geral.

Realizadas as cinco etapas da auditoria, é fundamental que a empresa documente por escrito todas as ações adotadas, além de manter um sistema que possibilite a organização de toda a documentação, de forma a facilitar o acesso de qualquer informação que possa ser requisitada pelo auditor fiscal.

Como estamos vivendo na era digital, a digitalização dos registros e a manutenção deles em um servidor virtual torna a apresentação de dados mais prática e de melhor acesso.

Neste aspecto, é importante destacar que a empresa deve atender às exigências da lei geral de proteção de dados, para que não incorra em nenhum tipo de sanção.

Sobre esse tema acesse: Esmiuçando a LGPD: A proteção de dados e a conformidade para além do óbvio

Quanto aos documentos físicos (que sem dúvida são comuns na maioria das empresas), recomenda-se a organização de arquivos por funcionários ativos e inativos, ano e mês.

Se a empresa ainda não possuir um arquivo físico, a implementação deste é uma oportunidade para conferir se os contratos de trabalho, cartões ponto e holerites estão devidamente assinados por cada empregado.

Segundo: Revise a documentação relacionada à segurança do trabalho

Se a empresa realizou a auditoria interna, conforme esmiuçado anteriormente, provavelmente já verificou as condições de segurança e medicina do trabalho.

No entanto, como há um elevado número de documentos exigidos nessa área, que podem variar de acordo com os riscos das atividades realizadas na empresa, faz-se necessário tecer alguns comentários sobre a questão.

Conforme destacado, no caso de uma fiscalização, para que a empresa esteja sempre um passo à frente do auditor, é fundamental a verificação da validade dos documentos de medicina e segurança do trabalho, em atenção ao disposto nas normas regulamentadoras.

Ressalta-se que esses documentos podem variar de acordo com o segmento da empresa. De modo geral, os principais registros que devem ser mantidos são:

  1. cópia do cartão de CNPJ da empresa;
  2. CNAE;
  3. relação de cargos e descrição de suas funções;
  4. acordo ou convenção coletiva;
  5. ordem de serviço;
  6. livro de inspeção do MTE;
  7. alvará de funcionamento;
  8. laudo técnico das instalações elétricas;
  9. documentação da brigada de incêndio;
  10. inspeções dos vasos de pressão (se existentes);
  11. certificados ambientais;
  12. Programa de Conservação Auditiva (PCA);
  13. documentação dos Equipamentos de Proteção Individual(EPI);
  14. Análise Preliminar de Risco (APR);
  15. Permissão de Trabalho (PT);
  16. Laudo de insalubridade e periculosidade;
  17. Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO);
  18. Laudo Técnico das Condições Ambientais do Trabalho (LTCAT);
  19. Atestado de Saúde Ocupacional (ASO);
  20. documentação da CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes);
  21. Comunicado de Acidente de Trabalho(CAT);
  22. documentação do Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMT) – se obrigatório na empresa, uma vez que empresas com número reduzido de empregados não precisam manter o setor internamente;
  23. Programa de Prevenção de Riscos Ambientais(PPRA);
  24. inventário de máquinas e equipamentos;
  25. Análise Ergonômica do Trabalho (AET).

Terceiro: Livro de inspeção do trabalho

Mantenha o livro de inspeção arquivado em local de conhecimento de todos os membros da equipe. Esse documento é utilizado pelo auditor fiscal do trabalho para depósito de anotações referentes às visitas realizadas na empresa. Nele devem constar as anotações desde a primeira visita até a última.

Trata-se de documento obrigatório, e deve ser mantido em cada estabelecimento da empresa, ou seja, na matriz e nas filiais.

O auditor irá anotar no referido livro as irregularidades encontradas, e concederá prazo para regularização. Desse modo, a cada visita, o auditor conferirá o histórico da empresa, e se as medidas corretivas foram tomadas. O descumprimento delas, ou a falta do livro ensejará a aplicação de multa.

A exceção à regra fica a cargo das microempresas e empresas de pequeno porte, que não têm a obrigação de manter o Livro de Inspeção do Trabalho.

A manutenção do livro também pode ser determinante para a empresa nos casos de autos de infrações nulos.

Explica-se.  Há situações, previstas na legislação, em que o auditor deve realizar dupla visita, para só então autuar a empresa.

Desse modo, sendo uma dessas situações (promulgação ou expedição de novas leis, regulamentos ou instruções ministeriais, ou estabelecimentos recentemente inaugurados), a inexistência da segunda visita – que poderá ser provada pela inexistência de anotação no livro de inspeção – poderá ensejar na nulidade do auto de infração.

Quarto: Recepção

Ser alvo de uma fiscalização não é agradável para ninguém, no entanto, toda empresa passará por isso durante a sua existência.

É importante que o gestor saiba lidar com a situação, de modo a ser receptivo com o auditor fiscal.

Atitudes esquivas, com o intuito de mascarar irregularidades ou, ainda, de impedir que o auditor execute o trabalho dele, poderão refletir de forma negativa, e consequentemente, prejudicar a empresa.

O referido profissional irá realizar a fiscalização de um jeito ou de outro, e se encontrar obstáculos no caminho poderá além de aplicar multas, embargar ou interditar máquinas e o próprio estabelecimento.

Isso não quer dizer que a empresa deva abrir ao auditor todos os segredos da produção, ou administração. Ao contrário, falar demais também pode ser prejudicial.

Ponderação é a resposta para essa situação. A empresa deve responder o for perguntado a ela, e fornecer os documentos exigidos, referentes à área objeto da fiscalização, tão somente.

Quinto: Canal de denúncias interno

Escute o seu empregado!

Muitas das fiscalizações iniciam em virtude de denúncias de empregados insatisfeitos, ou que foram desligados da empresa sem a percepção correta das verbas rescisórias.

Para evitar que isso ocorra, as empresas podem instituir um canal de denúncias interno, no qual o empregado poderá relatar eventuais problemas, e a empresa poderá fornecer opções para solucionar as questões relatadas.

A adoção desse sistema poderá, inclusive, auxiliar a empresa a evitar problemas como o assédio moral no trabalho, mas esse é assunto para outro artigo.

Conclui-se, assim, que a adoção de medidas preventivas pelas empresas além de protegê-las em eventuais fiscalizações, pode ser fundamental para diminuição do passivo trabalhista.

As relações de trabalho evoluem a cada dia, de modo que a forma de as empresas regularem e gerirem essas relações também devem evoluir. Uma mudança de cultura na gestão das empresas é necessária.

Portanto, dê um passo à frente e adote as medidas preventivas para a evolução da sua empresa e do seu negócio, sem temer ser alvo de fiscalizações.

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