Por Vicente Suzuki, Laila Gerdulli e Jhéssica Pereira / Direito Societário / 29 setembro, 2020

Já é bastante conhecida pelo mercado a modalidade de investimento chamada venture capital, em que um investidor (muitas vezes um fundo de investimentos estruturado com essa finalidade) aplica recursos em uma empresa esperando seu crescimento (startups que tenham demonstrado esse potencial) e, consequentemente, um retorno financeiro pelo capital investido. De modo geral, trata-se de operações em que o risco é altíssimo, mas os ganhos também podem ser exponenciais.

Com a aceleração dos processos de transformação digital em empresas já bem consolidadas e estruturadas, esse tipo de empreendimento passou a ser adaptado ao mundo corporativo.

Já são comuns programas de open innovation em empresas consolidadas que compreenderam a necessidade de acompanharem a transformação digital. Esses programas abrangem projetos variados, como a criação de espaços de inovação, a organização de eventos, como hackathons, a formalização de parcerias ou joint ventures.

Também dentro desse contexto de inovação, vislumbram-se iniciativas de Corporate Venture Capital, que podem fomentar a incubação e a aceleração de novas iniciativas empreendedoras internamente à organização, mas, principalmente, investem capital e adquirem participação societária em iniciativas empreendedoras (startups) nascidas fora da organização, mas cujos modelos de negócio encontram sinergia com os objetivos estratégicos da organização investidora.

Diferentemente do venture capital tradicional, cujo propósito principal do investidor é lucrar em um evento de liquidez futuro (exit), no corporate venture capital a essência é a sinergia entre os objetivos estratégicos da empresa investidora e o modelo de negócio da startup.

Evidentemente que as razões que motivam o investimento são variadas, mas em geral os investidores buscam associar objetivos estratégicos e financeiros no financiamento de companhias emergentes (startups) em projetos que estão nos primeiros estágios de desenvolvimento, ou ainda, projetos de expansão.

Ou seja, além da sinergia entre os negócios, existe a possibilidade de a companhia investidora vir a adquirir o controle ou a totalidade da startup em rodadas seguintes de investimento, incorporando-as à companhia (algo que em um venture capital tradicional dificilmente ocorreria), e ainda lucrar em um evento de liquidez futuro (até mesmo em um IPO).

No mundo, as iniciativas de corporate venture capital já são realizadas pelas organizações há muito tempo. Estudos da CB Insights indicam que em 2018 as operações desse tipo mapeadas giraram US$ 52,95 bilhões, e foram empreendidas por gigantes como a Intel Capital, a Novartis Venture Fund, Johnson & Johnson Development e a Motorola Ventures, as quais, somadas, já contabilizam mais de 150 de deals realizados.

Já no Brasil, o desenvolvimento do mercado de corporate venture capital ainda não está consolidado, mesmo nas maiores organizações. Claro que, com a aceleração das exigências de transformação digital (catalisadas pela pandemia, inclusive), e com o surgimento exponencial de startups em diversas áreas (fintechs, edtechs, construtechs, lawtechs, agritechs, etc.), começam a surgir novos programas e deals.

Grandes construtoras e incorporadoras investindo em construtechs, bancos adquirindo fintechs, escritórios de advocacia incorporando lawtechs, conglomerados de educação fomentando edtechs, e assim sucessivamente, sem contar as já tradicionais operações do mercado de tecnologia da informação, médico-farmacêutico e biotecnologia.

Essa estrutura de investimento pode ser, portanto, uma excelente ferramenta para expandir e aprimorar as áreas que, antigamente, eram departamentos de P&D, e hoje muitas vezes são escritórios de projeto (PMO, project management offices) que conduzem programas de open innovation com atuação transversal nas organizações.

Por óbvio, também é fundamental que operações de corporate venture capital sejam muito bem estruturadas – não somente do ponto de vista financeiro, mas também jurídico, a fim de conferir segurança e correta alocação dos riscos de cada parte (investidora e investida).

Assim, documentos essenciais nessa estruturação, como:

- NDA (non disclosure agreement, ou acordo de confidencialidade);

- MOU (memorandum of understanding, memorando de entendimentos) ou Term Sheet (carta de intenções)

- Contrato de investimento, que pode ser, por exemplo, mútuo conversível, opção de compra ou de subscrição de participação societária, ou mesmo a aquisição direta do equity (um SPA, share purchase agreement)

- Estatuto ou Contrato Social e Acordo de Acionistas ou Cotistas, que determinam a governança futura do negócio investido;

- Contrato de Vesting e Stock Options Pool, que visam a regular o relacionamento de pessoas e colaboradores-chave nas startups investidas;

- Regulação do Tratamento de Dados, visando à conformidade do modelo de negócio à LGPD

e alguns outros, precisam ser elaborados com cuidado, de modo a prever e regrar situações de possíveis riscos e conflitos e, assim, garantir, por um lado, terreno fértil e seguro para o desenvolvimento do empreendimento investido, mas também minimização de riscos para a organização investidora, tanto em relação ao capital investido, como no que diz respeito a eventuais passivos que venham a ser gerados pela atividade da investida.

A finalidade deste texto, naturalmente não é esgotar o tema, mas servir de introdução para uma série de conteúdos que produziremos relacionados ao tema. Falaremos mais sobre o processo de investimento em corporate venture capital, os aspectos tributários dos deals, cláusulas importantes a serem incorporadas aos documentos, dentre outros assuntos.

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