PL 1397. Período de Proteção, Negociação Preventiva e Alterações nas RJs
A capa do jornal Valor Econômico de ontem trouxe a seguinte chamada: "Projeto concede uma moratória geral de 60 dias". Confira a reportagem neste link (restrito a assinantes), ou faça o download da reportagem.
A notícia se refere ao Projeto de Lei n. 1.397/2020, apresentado pelo Deputado Federal Hugo Leal (PSD/RJ), e redigido por uma comissão de juristas, formada, principalmente, por profissionais ligados à área de Recuperações Judiciais e Falências.
Em poucas palavras, o projeto quer criar medidas transitórias e emergenciais durante este período de pandemia, com o objetivo de ajudar empresários a reestruturar seus negócios, minimizar impactos da crise, e diminuir o número de falências.
Se você quiser ler o projeto, anexaremos o teor dele ao final desta postagem, ou então você pode acessá-lo aqui também.
Mas, como de costume, resumiremos abaixo os pontos principais. Sempre é bom lembrar que ainda se trata de um projeto de lei, que deverá tramitar pela Câmara e pelo Senado. Ou seja, ainda não está "valendo", mas de qualquer modo será importante acompanhar o andamento, pois a simples tramitação deste projeto pode, sim, influenciar a tomada de decisões por empresas e empresários.
Pontos Principais do PL 1397/20
A primeira medida sugerida no PL é a criação de um período de proteção de 60 dias aos devedores. Não entendemos muito correto o termo "Moratória", pois as obrigações continuam exigíveis nesse período e, do mesmo modo, encargos como juros de atraso continuam a correr.
Esse período se iniciaria no dia em que a lei entrar em vigor.
Durante esses 60 dias, ficariam suspensos todos os processos judiciais de execução de dívidas vencidas após 20/3/20 (dívidas vencidas antes dessa data não são incluídas nessa proteção), e de revisão de contratos que embasam essas obrigações.
Além disso, no mesmo período, uma série de atos não poderiam ser realizados. Neste ponto, o PL lista os atos vedados, e usa uma nomenclatura bem técnica. Procuramos, a seguir, simplificar e traduzir a lista, alertando, é claro, que existem especificidades técnicas na redação do PL, cujo aprofundamento não cabe no propósito deste resumo, mas que precisarão ser consideradas antes de uma tomada de decisão.
- execução de garantias reais (p. ex. hipotecas e penhores), fiduciárias, pessoais (p. ex. fianças, avais, devedores/garantidores solidários);
- decretação de falências;
- despejo por falta de pagamento;
- rescisão ou vencimento antecipado de contratos;
- cobrança de multas incidentes a partir de 20/3.
Claro que esse período de proteção também não se aplica a obrigações previstas em contratos assinados ou renegociados após 20/3. Afinal, eles já foram feitos dentro do contexto de crise.
Depois do prazo de 60 dias de Proteção, que comentamos acima, o devedor que comprovar redução de pelo menos 30% de seu faturamento (em comparação à média do último trimestre), poderá ingressar com uma medida judicial chamada Negociação Preventiva.
A partir do momento que ingressar com a Negociação Preventiva, as medidas de Proteção comentadas no item acima continuarão a valer.
O devedor poderá, ainda, optar por pedir a nomeação de um Negociador, que conduzirá os trabalhos de negociação de suas dívidas com os credores.
A Negociação Preventiva durará no máximo 60 dias, e ao final o devedor ou o Negociador deverão apresentar relatório das negociações ocorridas no período.
Se o devedor pedir prorrogação do prazo de Negociação Preventiva, ele será compreendido como um pedido de Recuperação Judicial (RJ). Além disso, caso haja qualquer pedido posterior de RJ ou Recuperação Extrajudicial (RE), todo o prazo de proteção que o devedor recebeu nos termos do PL será diminuído do prazo de 180 dias de proteção próprio (apelidado de stay period) desses procedimentos de RJ e RE
O PL ainda cria várias regras especiais para recuperações e falências iniciadas entre 20/3/20 e 31/12/20, que tornam essas medidas mais atrativas e simplificadas para os devedores.
Veja algumas regras especiais propostas pelo PL para RJs do período da pandemia :
1) Uma das mais polêmicas certamente é a que determina não ser aplicável a esses procedimentos a manutenção de direitos do credor em relação a garantidores (avalistas, fiadores, etc.).
Explicamos: em RJs a empresa em recuperação fica protegida de execuções durante os 180 dias (prorrogáveis) do stay period, mas os credores podem executar normalmente os garantidores. Como muitas dívidas das empresas - principalmente as bancárias - quase sempre são garantidas pela pessoa física dos sócios, essa regra poderá tornar as RJs da pandemia bem mais atrativas, já que poderão proteger também os garantidores.
2) Outra bastante polêmica é a possibilidade de liberação de até 50% dos recebíveis submetidos à chamada trava bancária.
Explicamos: muitas operações, principalmente bancárias, são garantidas por cessão fiduciária de recebíveis, tipo de garantia apelidada de trava bancária. Nesses casos, os recebíveis da empresa, mesmo durante o período de RJ, acabam sendo capturados pelos credores para pagamento dos débitos, dificultando bastante o processo de recuperação.
A legalidade da trava bancária já foi muito discutida nos tribunais, mas existe hoje clara tendência jurisprudencial favorável aos credores. Por isso, essa previsão do PL, que expressamente libera 50% da trava bancária, com retorno gradual a partir do 6º até o 36º mês, caso venha a se consolidar em lei, tornará as RJs da pandemia muito mais atrativas.
3) O PL também melhora as características da RJ das MEs e EPPs. Estende o parcelamento que era de 36, para 60 meses; aumenta a carência para pagamento da primeira parcela de 180 para 360 dias, e parece permitir que as parcelas sejam fixas, sem encargos como correção e juros.
O PL ainda traz outras regras especiais, mas acima listamos algumas das principais.
Por fim, o PL também traz regras aplicáveis aos procedimentos de RJ, RE e Falência já em curso, como por exemplo:
- suspensão por 120 dias das obrigações previstas nos planos de recuperação já homologados;
- consequentemente, durante esse período, a recuperação não poderá ser convertida (tecnicamente, convolada) em falência por descumprimento do plano;
- os devedores poderão apresentar novo plano incluindo créditos que sejam posteriores ao início da recuperação (normalmente não podem), com direito a um novo stay period, para posterior aprovação dos credores.
Avaliação do PL, orientações e perspectiva de tramitação
Avaliação
O projeto é polêmico e divide a opinião dos especialistas. Há preocupação, por exemplo, com o risco sistêmico de se permitir a todos os devedores, indistintamente, o Período de Proteção e a Negociação Preventiva. Na prática, isso poderá significar até 120 dias sem que credores em geral possam executar garantias, ou rescindam contratos descumpridos. Poderia estimular a tomada de atitudes oportunistas por parte de devedores que, mesmo podendo cumprir suas obrigações, se valeriam dessas ferramentas. Também poderia gerar, é claro, efeito cascata em cadeias contratuais e de fornecimento.
Por outro lado, também não há dúvida que, principalmente para as empresas que estão em maior dificuldade, as medidas propostas pelo PL, em muitos casos, significarão a diferença entre a continuidade das atividades e a quebra.
Orientação a empresas de cogitam ingressar com RJ
Além disso, principalmente para empresas que cogitam fazer pedidos de recuperação judicial, é importantíssimo considerar e acompanhar a tramitação deste projeto. Afinal, caso ele venha a se tornar lei, permitirá o ajuizamento de recuperações em condições muito mais atrativas.
Tramitação
O projeto iniciou na Câmara. Foi apresentado em 2/4, e tramita em regime de prioridade. A última movimentação, na data da publicação desta nota (7/5), ocorreu em 24/4, quando a Mesa Diretora encaminhou o projeto à apreciação de 3 Comissões (Desenvolvimento Econômico, Finanças e Tributação, e Constituição e Justiça).
Continuaremos a acompanhar a tramitação. Você também pode acompanhar no site da Câmara, clicando aqui.
Confira o inteiro teor do PL (em 07/05/20)
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