Empreendimentos Imobiliários

O mercado imobiliário passa por fases, e evolui. O que se nota, principalmente em centros locais e regionais, é a profissionalização da estruturação jurídica dos empreendimentos imobiliários.

Se em grandes centros já há muitos anos os projetos imobiliários são estruturados e documentados de ponta a ponta, desde a aquisição do terreno até o pós-entrega, em centros regionais até pouquíssimo tempo atrás a informalidade e o amadorismo eram a tônica.

Pode-se pintar um cenário: permutas com terrenistas formalizadas em protocolos de intenção genéricos de três páginas, absoluta inexistência de due diligence em relação ao terreno e aos vendedores/permutantes, a moda das SPEs embasadas em contratos sociais tirados de “modelos” da internet, convenções de condomínio copiadas a esmo de empreendimento para empreendimento, lançamentos realizados antes mesmo do registro da incorporação ou do loteamento, modelos de compromissos de compra e venda inadequados (e desconformes, inclusive, à lei), estruturas de capital inexistentes, investidores que realizam aportes sem qualquer formalização do veículo do investimento, dependência absoluta do mercado financeiro nas incorporações imobiliárias, total inexistência de fontes de financiamento para projetos de lotes. Enfim, a lista é grande, e caracteriza a paisagem das estruturas jurídicas dos empreendimentos imobiliários de muitos centros regionais.

Mas pode ser diferente. Aliás, precisa ser diferente. A realidade não aceita mais as práticas do passado. Alguns fatores indutores dessa mudança:

  • Terrenos urbanos interessantes para projetos verticais estão cada vez mais raros, e os proprietários deles cada vez mais preparados e conhecedores do mercado. Muitos desses terrenos já estão sob o domínio de novas gerações, muito mais antenadas no mercado de investimentos e, por consequência, no imobiliário.
  • Cenário de juros baixos no Brasil incentivou um enorme aporte de liquidez em investimentos. E uma parte relevante desse dinheiro está sendo alocado direta ou indiretamente no mercado imobiliário, seja em Fundos de Investimento Imobiliário (FIIs), seja em investimentos em projetos imobiliários (crowdfunding e SCPs, por exemplo), seja na própria aquisição de ativos imobiliários (inteiros, ou divididos em cotas ou em frações) visando rentabilidade tanto periódica (alugueis, dividendos), quanto na valorização.

As possibilidades de financiamento diversificaram, muito também por conta desse tsunami de liquidez. Os desenvolvedores locais dependiam, ou de capital próprio (sobretudo em projetos de lotes, onde as linhas para financiamento bancário são praticamente inexistentes), ou de bancos (nos projetos verticais), ou então de investidores próximos (Family & Friends) que, nos mais das vezes, realizavam aportes de modo totalmente informal). Estruturas baseadas em mercado de capitais, que eram praticamente inalcançáveis para esses mercados locais, estão, hoje, muito próximas. Fundos repletos de liquidez precisam alocar recursos. Investidores ansiosos por rentabilidades maiores, estão dispostos a tomar mais risco. A desburocratização de meios de pagamento e de ofertas de valores mobiliários, a capilaridade da internet, e até mesmo a popularização de criptoativos, permite, atualmente, captações em crowdfunding, e já começa a permitir tokenizações, e a estruturação de fundos de investimentos locais.

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A estruturação jurídica de empreendimentos imobiliários de ponta a ponta se inicia na Aquisição do terreno que será desenvolvido, passa pela Aprovação de projetos perante os órgãos competentes, depende da estrutura de capital para o Financiamento, evolui para o Lançamento do produto, zela pela conformidade da fase de Obras, e quase termina na Entrega, pois ainda resta a fase de Pós-obras.

Ou seja, são, basicamente, 6 fases de qualquer empreendimento imobiliário:

  • 1 Aquisição
  • 2 Aprovação
  • 3 Financiamento
  • 4 Lançamento e Vendas
  • 5 Obras
  • 6 Entrega e Pós-entrega

Opção, Protocolo de Intenções, Memorando de Entendimentos (MoU), Pré-Contrato, Compromisso

 

A diferença essencial está nos detalhes. Em vez de terrenista e desenvolvedora assinarem uma “opção” ou um “protocolo de intenções” genérico, sem praticamente qualquer detalhe, é importante estabelecer regras mais específicas entre si, visando à correta alocação de riscos e responsabilidades de parte a parte.

Mais fácil com exemplos práticos. O início de qualquer empreendimento imobiliário é a Aquisição do terreno onde ele será desenvolvido. E o primeiro ato dessa fase é a assinatura de um documento preliminar, que pode ser uma Opção, um Protocolo de Intenções, um Memorando de Entendimentos, ou, até mesmo, um Compromisso.

Quando a aquisição ocorre por compra simples do terreno pela desenvolvedora, sem vinculação alguma ao empreendimento futuro, esta fase não apresenta muitos desafios. Mas aquisições por compras simples são raríssimas.

Os Terrenistas, quando vendem, não querem vender simplesmente o terreno (aquelas duas casas velhas sobre terrenos grandes, ou aquele sítio recentemente tornado urbano); vendem os terrenos onde poderá ser construído um edifício de 10 andares (se pagar outorga, mais andares); vendem o sítio que poderá ser loteado em 240 lotes. Ou seja, os Terrenistas não costumam vender o que o imóvel é, mas o que ele pode ser.

Mas todos os Desenvolvedores sabem que, entre “poder ser” e “ser”, existe um longo percurso. E esse percurso normalmente exigirá uma alta exposição de caixa, além de agregar diversos riscos, dentre os quais, o de mercado (recepção pelo mercado consumidor do produto que será lançado). Por isso, não faz muito sentido para a maior parte dos Desenvolvedores realizar a compra simples do terreno. Preferem-se as parcerias, onde parte do risco e, também, do retorno do empreendimento são compartilhados entre Terrenistas e Desenvolvedores.

Nesse contexto, Terrenistas e Desenvolvedora conversam com base em estudos preliminares do empreendimento que “cabe” naquele terreno, e chegam a um ajuste comercial da parceria. Algo parecido com: o Terrenista entrará com o terreno, a Desenvolvedora com o restante (obras, vendas, etc.), o loteamento ou a incorporação precisarão ser finalizados em X meses, e o Terrenista terá direito a “N Lotes ou Unidades”, ou “X metros quadrados de lotes urbanizados ou de área privativa”, ou “X% da área dos lotes urbanizados, ou da área privativa”, ou a “X% do VGV – Valor Geral de Vendas do empreendimento”, ou ainda a “X% da Receita Líquida de Venda das unidades/lotes”, ou outra métrica de ajuste comercial.

Era muito comum, então, que Terrenistas e Desenvolvedores assinassem um documento preliminar, sob o apelido de Opção, Protocolo de Intenções, ou algo do gênero, restringindo a regular apenas esse ajuste comercial, ou pouco mais do que isso (por exemplo, um prazo geral para obter certidão de viabilidade da Prefeitura Municipal).

Mas existe uma enorme quantidade de outras definições que gravitam em torno desse ajuste comercial. Alguns exemplos:

Pelo Desenvolvedor

Há segurança em relação à propriedade do terreno? Regras relacionadas à due diligence (auditoria legal) do terreno, do proprietário, e da cadeia de proprietários anteriores, para evitar ou minimizar riscos com, por exemplo, inventários e partilhas nulos, fraudes contra credores e à execução, usucapiões e litígios possessórios, arrolamentos administrativos por débitos fiscais, indisponibilidades judiciais, etc.

  • As divisas, metragens e confrontações do terreno estão exatas? O que ocorre se houver divergências em levantamento topográfico?
  • Foram estabelecidos gatilhos para “cancelar” o negócio caso apareçam determinados entraves, sobretudo burocráticos ou regulatórios:
    • Verificação de eventuais nascentes e estudo de solo para viabilidade de escavações, fundações e verticalização;
    • Verificação de árvores e vegetação protegidas, patrimônio histórico ou arqueológico, contaminação de solo, dentre outros.
    • Necessidade de eventuais alterações de zoneamento, viabilidade de verticalização ou mesmo de implantação da tipologia de empreendimento pretendida (loteamento fechado, condomínio de lotes, condomínio multiuso ou supercondomínio, etc.);
    • Existência de restrições de edificação, como as derivadas por proximidade de áreas de preservação, aterros sanitários, rodovias e diretrizes viárias, aeroportos, dentre muitos outros;
    • Até, eventualmente, em caso de insucesso na recepção do mercado, no período de carência da incorporação, ou até o atingimento da demanda mínima de contrato de financiamento, por exemplo.
  • Liberdade para tramitar e, eventualmente, ajustar o projeto
    • Procurações para tramitações e diligências;
    • Gatilhos para readequações de projeto;
    • Regras sobre propriedade intelectual de projeto arquitetônico e complementares;
  • Qual a assertividade de que o terreno será transferido pelos Terrenistas no momento adequado? Existem regras voltadas a isso?
  • Como se dará a administração e controle dos veículos societários (SPEs), evitando-se interferência indevida na execução e gestão do empreendimento
  • Serão necessárias autorizações para onerações e contratações relacionadas à estrutura de capital? Muitas estruturas de funding exigirão garantias que poderão incidir, por exemplo, sobre o imóvel, sobre a SPE, sobre as participações societárias da SPE, sobre os recebíveis do empreendimento, dentre outros.

Pelo Terrenista

Qual será o custo tributário envolvido no projeto? Haverá incidência de Imposto de Renda Ganho de Capital na transferência (se houver transferência, pois há formatos, como a parceria para loteamentos, nos termos do Parecer Normativo CST nº 15/1984 da Receita Federal do Brasil, e o consórcio, que não necessariamente envolvem transferência imobiliária)?

  • Quem será o vendedor dos lotes ou das unidades recebidas na permuta física? Qual a tributação incidente sobre essa venda? Vale à pena constituir uma pessoa jurídica com atividade imobiliária para realizar a venda?
  • Qual a responsabilidade que será assumida, caso seja ele, Terrenista, a figurar como vendedor perante os adquirentes e consumidores?
  • Quais serão as garantias de recebimento do “pagamento”? Unidades ou lotes na permuta física, % VGV na permuta financeira?
  • Como será a redação do Contrato ou do Estatuto Social, e do Acordo de Sócios, caso a estrutura seja baseada em SPE (Sociedade de Propósito Específico) ou SCP (Sociedade em Conta de Participação)?
    • Serei minoritário? Quais os direitos que me cabem como minoritário? Quais direitos posso negociar para ter mais conforto?
    • Como será a integralização do capital social?
    • Haverá regras de saída (retirada)?
    • O dinheiro para as obras de execução do empreendimento passarão pela SPE?
    • Pode haver responsabilidade tributária e trabalhista por ser sócio da SPE?

Enfim, esses são apenas alguns exemplos de definições que podem (em muitos casos, devem) estar previstas já no documento preliminar.

Evidentemente que há casos em que a negociação de condições mais específicas implicará muitos recursos (tempo, desgaste, etc.), e poderá ser estrategicamente adiada para um documento posterior (um compromisso particular de permuta, a escritura de compra e venda, ou o acordo de sócios, por exemplo); mas o quanto mais os documentos preliminares puderem ser específicos, sem excessivo desgaste, mais vinculantes ele podem se tornar e, com isso, cada lado (Terrenistas e Desenvolvedores) passa a dispor de mais segurança quanto à alocação de riscos do negócio.

Afinal, enquanto tudo o que for essencial não estiver “combinado” e reduzido no papel, sempre haverá justificativa de uma das partes de “refugar”, usando uma definição em aberto como pretexto. E, com isso, Terrenistas poderão ter perdido tempo e a possibilidade de novas oportunidades de outros Desenvolvedores; e estes poderão ter gastado tempo, bastante dinheiro em estudos arquitetônicos, de mercado, orçamentos, análises de viabilidade, sem contar a perda da oportunidade de um novo lançamento.

Quais documentos necessários para o registro?

 

A incorporação imobiliária é a construção de um ou mais empreendimentos imobiliários, composto de unidades autônomas em regime de condomínio, com a finalidade da alienação antecipada de tais unidades em construção, as quais podem ser vendidas na “planta”.

Trata-se de um investimento que pode trazer bons resultados a longo prazo. Porém, é fundamental que se faça um bom planejamento inicial e se estruture a operação de maneira correta, não apenas no aspecto financeiro, mas, também, no aspecto jurídico.

É importante frisar que toda incorporação imobiliária deve, obrigatoriamente, ser registrada no Cartório de Registro de Imóveis, na matrícula do terreno sobre o qual o empreendimento será construído.

O registro da incorporação em cartório faz com que terceiros tomem conhecimento do empreendimento, confere regularidade à obra e autoriza a venda das unidades individuais.

Antes de efetuar o registro, a incorporadora não pode celebrar nenhuma negociação, ainda que preliminar, em relação às unidades autônomas em construção. O registro, por sua vez, é realizado a partir da elaboração do Memorial de Incorporação, que é o conjunto de documentos prévios que a incorporadora deve registrar no Cartório de Registro de Imóveis da região onde o empreendimento será construído.

Ao comentar como funciona a estruturação de empreendimentos imobiliários, mencionamos que um empreendimento pode ser dividido em seis fases: Aquisição, Aprovação, Financiamento, Lançamento e Vendas, Obras, e Entrega e Pós-Entrega.

A elaboração do Memorial de Incorporação é parte da fase de Aprovação. Esse é o momento em que a incorporadora responsável pelo empreendimento deverá levantar – e, se for o caso, regularizar – toda a documentação necessária para a aprovação do empreendimento pelos órgãos competentes. O Memorial, especificamente, é levado a registro a após a aprovação do Empreendimento pelo Município (é importante notar que são processos distintos).

Em razão dos amplos impactos econômicos, sociais e urbanísticos de uma incorporação, principalmente em âmbito municipal, são necessárias quase que incontáveis certidões, declarações, projetos e diversos outros documentos, que têm como finalidade atestar a segurança técnica e jurídica da incorporação.

Nesse sentido, o registro do Memorial tem por objetivo apresentar maiores garantias ao adquirente, de modo a atestar a idoneidade da incorporadora, e que o imóvel será construído e entregue de acordo com o que foi registrado na matrícula do imóvel.

O Memorial de Incorporação consiste em um requerimento textual simples, com a definição e características do incorporador e do empreendimento e que descreve ou faz remissão aos documentos que o acompanham. Esses documentos, necessários para o registro do Memorial, estão previstos na Lei de Incorporações Imobiliárias (Lei 4.591/64, art. 32). São eles:

  • Título de propriedade de terreno, ou de promessa, irrevogável e irretratável, de compra e venda ou de cessão de direitos ou de permuta do qual conste cláusula de imissão na posse do imóvel;
  • Certidões negativas de impostos federais, estaduais e municipais, de protesto de títulos de ações cíveis e criminais e de ônus reais relativos ao imóvel, aos alienantes do terreno e ao incorporador;
  • Histórico dos títulos de propriedade do imóvel, abrangendo os últimos 20 anos, acompanhado de certidão dos respectivos registros;
  • Projeto de construção devidamente aprovado pelas autoridades competentes, acompanhado do respectivo alvará de licença para construção;
  • Certidão negativa de débito com a Previdência Social (mais conhecida como CND do INSS), quando o titular de direitos sobre o terreno for responsável pela arrecadação das respectivas contribuições;
  • Memorial descritivo das especificações da obra projetada;
  • Avaliação do custo global da obra, atualizada à data do arquivamento, discriminando-se, também, o custo de construção de cada unidade, devidamente autenticada pelo profissional responsável pela obra;
  • Discriminação das frações ideais de terreno com as unidades autônomas que a elas corresponderão;
  • Minuta da futura convenção de condomínio que regerá a edificação ou o conjunto de edificações;
  • Declaração que defina a parcela do preço que foi pago em dinheiro pela aquisição do terreno, quando houver;
  • Certidão do instrumento público de mandato (procuração), quando o pedido de registro da incorporação for feito por construtor que não tenha a propriedade do terreno ou por corretor de imóveis;
  • Declaração expressa em que se fixe, se houver, prazo de carência para o incorporador desistir do empreendimento, o qual não poderá ser de mais de 180 dias;
  • Atestado de idoneidade financeira, fornecido por estabelecimento de crédito que funcione no Brasil há mais de cinco anos;
  • Declaração, acompanhada de plantas elucidativas, sobre o número de veículos que a garagem comporta e os locais destinados à sua guarda.

 

Os documentos mencionados acima compõem o conteúdo básico do Memorial, mas há alguns pontos de atenção O título de propriedade, por exemplo, caso seja um instrumento de compromisso ou promessa de compra e venda, cessão de direitos ou permuta, deverá conter uma cláusula que lhe confira caráter irrevogável e irretratável.

Além disso, é fundamental que o contrato esteja registrado na matrícula do imóvel, já que, em se tratando de imóveis, a propriedade somente se transfere pelo registro.

Além de se certificar que possui tais documentos, a incorporadora deve es-tar atenta ao Código de Normas da Corregedoria do Foro Extrajudicial do Tribunal do Estado em que será realizado o empreendimento – este é o regulamento que define as regras a serem observadas pelos cartórios dentro do estado, nas lacunas e ambiguidades da lei.

As Corregedorias também possuem outros tipos de normativos e até mesmo “julgados” a partir de situações concretas recorrentes nos cartórios.

Importante lembrar que essas regras mudam de acordo com o estado. Além disso, a interpretação acerca dos requisitos necessários para que se proceda ao registro do Memorial pode depender, ainda, de exigências específicas (e não regulamentadas) de cada cartório, bem como de sua interpretação da própria lei ou jurisprudência (divergente) da Corregedoria.

Com todos os documentos em ordem, o cartório tem até 30 dias para registrar o Memorial de Incorporação. Na hipótese de alguma pendência, um novo pedido de registro deve ser solicitado, com mais 30 dias de prazo.

Vale ressaltar que cartório pode negar o registro do Memorial em caso de irregularidades na documentação do incorporador.

Depois de registrado, ele é anexado à matrícula do empreendimento, a qual fica disponível para consulta pública no cartório, tornando-se, assim, acessível a qualquer pessoa.

O que é e como se aplica ao mercado imobiliário

 

Em linhas gerais, tokenização significa transitar valores, propriedades e registros via Internet, de um lugar para outro.

O token é representativo de um valor em uma unidade digital em blockchain, a qual, por sua vez, se trata de uma tecnologia de registro distribuído (DLT – distributed ledger technology) que serve de suporte para os diversos tipos de moedas virtuais que têm surgido na última década.

Essa tecnologia de registro distribuído permite que as transações econômicas no universo digital sejam realizadas diretamente entre as partes interessadas, sem necessariamente passar pela verificação ou operacionalização de um banco.

Diferentemente dos bancos, blockchains não rejeitam ou avaliam os usuários a partir de seus históricos financeiros, profissionais ou pessoais. Cabe à própria rede, com seu poder decisório descentralizado, realizar essa avaliação, o que gera a simplificação do acesso ao capital.

Qualquer produto, seja ele físico ou digital, pode ser representado por um token.

Nesse aspecto, os tokens representam a totalidade ou a fração da titularidade de um criptoativo adquirido em contrapartida a um investimento realizado.

Além disso, eles armazenam direitos legais e de propriedade e os transformam em ativos digitais, a fim de possibilitar transações e processos de registro de informações em um protocolo blockchain.

Entre as modalidades existentes, há os currency tokens, utility tokens e os security tokens, e cada qual assume uma representação diferente que oferece uma prerrogativa específica a seu titular.

Currency tokens são moedas virtuais que assumem a forma de tokens, isto é, são as próprias criptomoedas em si, tais como Bitcoin, Ethereum, LiteCoin, ZCash, Dash e Ripple.

Os utility tokens, por sua vez, representam o direito ao uso de um produto ou serviço, condicionado ao fato de que o projeto ao qual pertencem seja efetivamente lançado.

Eles estão relacionados à noção de crédito para uso em uma plataforma ou empreendimento específico, e só têm valor e utilidade no âmbito das plataformas a que pertencem. Exemplo são os produtos adquiridos em campanhas de crowdfunding, os quais são “reservados”, com o propósito de que, levantado o capital inicial para a sua produção, sejam produzidos e entregues ao investidor-colaborador.

Já os security tokens (STOs) podem representar a propriedade fracionada de uma empresa, projeto ou empreendimento, por exemplo, caso em que equity security tokens; e também pode representar uma dívida, tal qual títulos de renda fixa (CDBs, LCIs, LCAs, CCBs, Debêntures, etc.), quando, então, são apelidados de debt security tokens. Em ambos os casos, têm como principal vantagem a segurança jurídica, já que eles buscam o registro e aprovação da respectiva autoridade reguLadora, respeitando, assim, suas regras.

Investir em STOs significa dizer que se está legalmente adquirindo a propriedade, ou uma porção, de um ativo ou crédito físico ou digital, já que o cumprimento das normas exigidas para sua operação traz benefícios tantos para os investidores quanto para o projeto em si.

Valor mobiliário, pela Lei, é qualquer título ou contrato de investimento co-letivo, quando ofertado publicamente e que gere direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros.

De acordo com a Lei nº 6.385/76, nenhuma emissão pública de valores mobiliários será distribuída no mercado sem prévio registro na CVM.

Atualmente, as ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários são reguladas, regra geral, pela Instrução CVM nº 400; com a possibilidade mais restrita (literalmente) de realizar a oferta com “esforços restritos”, nos termos da Instrução CVM nº 476. Essa última modalidade, contudo, além das limitações relativas à qualificação e quantidade de investidores, também não se aplica a qualquer espécie de valor mobiliário. Nesse sentido, o caso de mais fácil equiparação de token a valores mobiliários é o dos STOs, uma vez que eles são equiparáveis a contratos de investimento coletivo, já que há investimento de recursos, seja dinheiro ou criptomoedas, em empreendimento coletivo, de forma que cada investidor possui uma quota-parte do negócio, representada por um token.

Nesse empreendimento coletivo, há a expectativa de obtenção de recursos que decorrem dos esforços do empreendedor ou de terceiros.

Importante destacar que ainda há certa insegurança jurídica em relação à caracterização de security tokens como valor mobiliário. Por consequência, também há insegurança em relação à necessidade de que a emissão de ofertas security tokens (debt ou equity indistintamente) seja registrada na CVM, e obedeça aos ter-mos da Instrução CVM 400 (a Instrução 476 não se aplica a contratos de investi-mento coletivo).

Diante dessa indefinição regulatória, os emissores têm algumas opções.

Para projetos exclusivamente nacionais, as alternativas, inicialmente poderiam ser:

 

 

  • 1 – Realizar a distribuição privada, o que parece retirar a atratividade do modelo, já que um dos ganhos que podem ser obtidos com a tokenização é precisamente a facilidade de alcançar públicos amplos;

 

  • 2 – Sob o argumento de que os STOs não seriam valores mobiliáriosreali-zar oferta pública de tokens sem obter o registro prévio ou a sua dispensa perante a CVM, assumindo a responsabilidade dessa esco-lha, o que nos parece bastante arriscado;

 

  • 3 – Escolher aderir às regras da CVM para oferta pública de valores mobiliários (Instrução CVM 400), o que implica tempo de estrutu-ração e registro, custos com assessoria, implementação dos requisi-tos regulatórios, elaboração de documentos etc., fatores estes que inibem emissões de valores menores, mas que evidentemente é se-gura sob o ponto de vista jurídico;

 

Mas é possível estudar uma alternativa que não implique nos obstáculos apontados acima: a emissão por crowdfunding de investimento, nos termos da Instrução CVM 588.

Para captações por empresas menores (faturamento até R$ 10 milhões), em valores menores (até R$ 5 milhões) e tickets menores (regra geral, até R$ 10 mil por investidor), como por exemplo para momentos iniciais da estruturação de capital de empreendimentos (financiamento de projetos, etc.), pensamos ser possível a emissão de security tokens por meio de plataformas de crowdfunding de investi-mento.

Há, ainda, a possibilidade de estruturação do projeto por meio de estruturas societárias ou fundos de investimentos off-shore, isto é, localizados fora do Brasil, especialmente em países com maior flexibilidade regulatória, cambial e tributária. Caso a oferta seja feita fora do Brasil (ainda que seja lastreada em imóveis ou empreendimentos brasileiros), a estrutura não se sujeita à regulamentação pela CVM.

O banco BTG Pactual possui um caso nesse formato: o ReitBZ, security token com lastro em imóveis, é o primeiro criptoativo do mundo a distribuir lucros da carteira para os investidores com a utilização da tecnologia blockchain.

O banco fez a captação do dinheiro para a compra dos ativos imobiliários (foco em distressesd assets, ou seja, ativos em situação de estresse e que, portanto, podem ser adquiridos mais descontados, com possibilidades maiores de ágio na venda) que viriam a compor a carteira, digitalizou esse ativo em um formato de tokens e comercializou com investidores internacionais.

No início de 2021, anunciou o segundo pagamento de dividendos a investidores, em mais de cem mil dólares.

Esse exemplo demonstra que a tokenização, embora seja uma tecnologia em vias de consolidação, tem grande potencial de crescimento nos próximos anos, em razão de garantir velocidade e custos menores na estruturação do negócio, além do aumento da liquidez, já que é possível um fracionamento maior de determinados ativos.

Isso certamente impulsionará os órgãos reguladores a trabalhar em regras que confiram mais segurança às partes envolvidas na transação.

Porém, como visto, mesmo ainda neste cenário de certa indefinição regula-tória, já existem alternativas e ferramentas possíveis para a estruturação de captação de investimentos por meio da oferta pública, nacional ou off-shore, de tokens.

O que pode?

 

Iniciamos os estudos sobre o funcionamento da estruturação de empreendimentos imobiliários, tratando em especial sobre a aquisição do imóvel, fase inicial de todo e qualquer operação, seja de loteamento ou incorporação.

Como já abordado, a próxima fase, após a aquisição do imóvel em que será desenvolvido o empreendimento, é a aprovação dos projetos frente aos órgãos regulatórios. Todavia, a rotina comercial do mercado imobiliário acrescentou práticas que ocorrem de forma anterior ou concomitante à aprovação e dão origem a uma subfase: o pré-lançamento.

O pré-lançamento é a fase marcada pelas primeiras divulgações das peças publicitárias em período anterior à efetiva comercialização das unidades de qualquer empreendimento imobiliário, pois isso depende da conclusão da aprovação dos projetos usualmente apresentados nos órgãos municipais e, após a aprovação, seus efetivos registros nos Cartório de Registro de Imóveis.

Questiona-se, então, por qual motivo não é possível a comercialização?

Isso ocorre em razão das regras que regem os processos de loteamento, Lei Federal nº 6.766 de 1979, e de incorporação imobiliária, Lei Federal nº 4.591 de 1964, que impedem que as unidades autônomas que integram o empreendimento futuro sejam comercializadas antes do registro de uma série de documentos em cartório, pelo qual dispõem, respectivamente, o seguinte “é vedado vender ou prometer vender parcela de loteamento ou desmembramento não registrado” e “o incorporador somente poderá negociar sobre unidades autônomas após ter arquivado, no cartório competente de Registro de Imóveis”.

Essa proibição é resultante de uma proteção específica ao consumidor, uma vez que as leis supracitadas datam de um período em que não existia o microssistema do Código de Defesa do Consumidor, que só veio a surgir no ano de 1990. Nessa sistemática, cada lei promovia a defesa dos interesses da parte hipossuficiente de maneira individualizada.

Assim, o legislador considerou o risco da venda sobre algo que ainda não existe de forma concreta ao consumidor, inclusive tipificando tal conduta na esfera criminal. Desse modo, a comercialização do empreendimento depende da prova que a coisa comercializada poderá vir a existir, que é dada com o efetivo registro da documentação necessária.

Todavia, embora reconheçamos de forma ampla a necessidade de proteção do consumidor, as normas expostas criam um descompasso na estruturação do empreendimento, já que, como sabido, a fase de aprovação, sem a qual não é possibilitada a venda, pode demorar alguns bons meses, quando não duram anos.

Esse descompasso causa problemas que se refletem por todo empreendimento, podendo ser citado a necessidade de maior exposição de caixa por parte da incorporada, a diminuição da taxa interna de retorno, a impossibilidade de ampliação do prazo de pagamento para a compra de unidade e a ampliação do risco na gestão dos estoques.

Dado o cenário descrito, bem como a omissão legislativa quanto ao que pode ou não ser feito em termos mercantis durante o período de aprovação do empreendimento, já que a lei não traz qualquer definição concreta dos valores dados aos termos “venda” e “comercialização”, as incorporadoras passaram a se movimentar a fim de promover os futuros lançamentos, mas sem efetivamente comercializá-los ou vende-los.

Criou-se, com isso, a prática do pré-lançamento, que tem por principal função a entrega de informação aos futuros compradores sobre o imóvel que será edificado ou o loteamento que passará a integrar o portfólio da empresa.

Destarte, a informação sobre o empreendimento chega mais rápido ao consumidor, que não tem que esperar toda a conclusão da fase de aprovação, possibilitando que surjam clientes interessados na compra da futura unidade, de modo que, quando possível, a fase de vendas passe a ser mais rápida e efetiva.

Além disso, dada a possibilidade ao incorporador de cancelar a tramitação dos projetos em fase de aprovação com a denunciação da incorporação, o pré-lançamento pode funcionar como um termômetro do mercado imobiliário regional, mediando o interesse dos consumidores sobre determinado produto, que dá a indicação de vários apontamentos como: qual a melhor estratégia de vendas e divulgação do produto ou a necessidade de adequação do projeto.

Esse ponto é essencial em um mercado imobiliário com cada vez menos oportunidades de aquisições de imóveis, de forma tal que cada lançamento deve ser precisamente assertivo com relação ao público destinado.

Dito isso, mesmo com essa prática se tornando comum no mercado, não houve qualquer movimento legislativo para regularizá-la, partindo do Ministério Público, que tem a prerrogativa de tutelar os interesses difusos dos consumidores, a iniciativa de formalizar os termos em que o pré-lançamento pode ocorrer.

Foi assim que surgiu, em conjunto com o MP, a portaria nº 3.464 de 2007 do CRECI do Estado de São Paulo e o Termo de Ajustamento de Conduta firmado com os corretores imobiliários do Estado do Ceará, que, embora digam respeito somente às condutas praticadas nesses estados, pode servir de orientação e diretriz para o mercado do país todo.

  • 1 – Prestar informações sobre o lançamento futuro de empreendimento;
  • 2 – Colher dados de clientes interessados no lançamento;
  • 3 – Elaborar peça publicitária que indique com clareza que se trata de empreendimento futuro, dada a possibilidade de demonstrar o produto com a informação de que existe a possibilidade de alterações;
  • 4 – Utilizar a mesma tipologia de caracteres para a indicação das informações do pré-lançamento;
  • 5 – Elaborar material de uso interno com informações mais detalhadas sobre o empreendimento;
  • 1 – Estabelecimento de qualquer contrato entre as partes;
  • 2 – Recebimento de qualquer valor referente à futura venda do empreendimento;
  • 3 – Elaboração de prática publicitária que não indique com clareza a que o produto é lançamento futuro e com impossibilidade de comercialização;
  • 4 – A prestação de informações que induzam a existência de prática comercial, como a definição formal de preço e formas de pagamento;
  • 5 – A omissão da informação de que os projetos apresentados podem sofrer mudanças;
  • 6 – O uso de fontes e caracteres que não deixem claro que se trata de lançamento futuro ou que omitam qualquer informação que remeta ao pré-lançamento;

Em suma são esses os pontos essenciais sobre como estruturar um pré-lançamento sem causar maiores problemas aos operadores do mercado imobiliário.

Ao final, devemos pontuar que cada pré-lançamento carrega consigo características únicas, em especial pelas estratégias de divulgação optadas pela equipe de Marketing e, por isso, cada um deles merece uma atenção especial por parte do profissional responsável por assegurar a sua conformidade legal.

– 17/09/2021 | Por Jhessica Pereira

 

Empreendimentos imobiliários necessitam de um bom gerenciamento em todas as suas etapas a fim de que a eficiência seja maximizada e os custos sejam reduzidos.

Há casos em que os incorporadores e loteadores contratam construtoras/empreiteiras a fim de desenvolver um projeto imobiliário.

Os modelos de contratação mais comuns são: preço fechado ou empreitada por preço global, preço de custo ou construção por administração e administração com preço máximo garantido (PMG).

Na empreitada por preço global, define-se um valor fechado para a obra, com o objetivo de evitar variações até a conclusão do empreendimento.

Por outro lado, na construção por administração há possibilidade de ajustes e implementações ao longo do processo de execução, e a construtora cobra uma taxa de administração sobre os custos de materiais, equipamentos e mão de obra ou uma remuneração fixa mensal.

No regime de administração PMG, uma espécie de contrato híbrido entre os anteriores, a construtora elabora um orçamento aberto e propõe uma taxa de remuneração. Se o custo da obra for menor do que o inicialmente previsto quando da confecção do orçamento, construtora e cliente dividem a economia obtida. Se o custo for maior que o orçamento previsto, o prejuízo é arcado pela construtora.

De qualquer modo, ou os próprios desenvolvedores (loteadores e incorporadores), ou as construtoras/empreiteiras contratadas precisam gerenciar inúmeros contratados e fornecedores envolvidos no projeto, tais como pedreiros, gesseiros, eletricistas, pintores, fornecedores de materiais, etc, assim como planejar a aquisição de insumos para a obra.

Nesse cenário, é fundamental que um empreendimento imobiliário conte com uma gestão de contratos eficiente, de modo a minimizar quaisquer riscos.

O principal objetivo da gestão de contratos é garantir que o acordo estabelecido transcorra da forma prevista. Essa tarefa também inclui revisar e adequar cláusulas contratuais quando necessário.

Uma alternativa viável é criar condições gerais, com formulários de adesão com as condições comerciais, previsões sobre as etapas do projeto (pré-contratação, negociação, pré-execução, execução e entrega) e cronograma de execução.

Além disso, deve-se certificar de que o objeto do contrato esteja bem explícito e delimitado, e que as cláusulas e anexos estejam claros para dar suporte ao entendimento do escopo.

A previsão de regras para a resolução de impasses entre as partes também é indispensável para minimizar riscos de eventuais prejuízos.

Para facilitar a gestão desses contratos, há, ainda, a possibilidade de virtualização das assinaturas das partes envolvidas por meio da adoção de contratos digitais – que podem ser assinados eletronicamente. Entre as principais vantagens da assinatura eletrônica estão a agilidade na contratação e a facilitação da organização dos contratos digitais em relação aos contratos físicos.

Considerando esses aspectos, nota-se que a gestão de contratos é essencial para que um empreendimento imobiliário seja bem-sucedido.

Muito mais do que lidar com documentos e prazos, trata-se de uma atividade fundamental para garantir aumento na produtividade e redução de custos.

Evitar atrasos no cronograma, despesas adicionais e até mesmo o não cumprimento de requisitos técnicos e a não satisfação das expectativas ou necessidades do cliente são boas razões para que os loteadores e incorporadores não negligenciem o gerenciamento dos contratos de construção.

Minimizando os riscos pós-obra

05/10/2021 | Por Laila Gerdulli & Marina Pacheco

 

Uma das preocupações que podem inquietar empreendedores do ramo imobiliário diz respeito ao momento posterior à entrega da obra. É comum se perguntar: “Afinal, finalizado e entregue o empreendimento, por quanto tempo fico sujeito a responder por situações decorrentes da construção?”

É fato que o construtor tem responsabilidade por eventuais vícios e defeitos existentes na obra, ou, ainda, por danos decorrentes da construção. Isso garante aos adquirentes das unidades uma maior segurança ao realizar a compra – e, por consequência, possibilita que mais negócios sejam fechados.

Há, basicamente, dois tipos de situações que podem ocasionar demandas por parte dos adquirentes em decorrência de problemas relativos à obra: a verificação de vícios redibitórios, isto é, quando há problemas ou defeitos na construção que são anteriores à entrega do imóvel, e a ocorrência de problemas ou defeitos que surgem após a entrega, mas são ocorrem por falhas na construção e enseja a reparações por danos causados aos adquirentes.

É importante destacar que nenhuma dessas hipóteses trata daqueles casos em que há simplesmente uma deterioração do bem por causa do uso do imóvel ou do simples transcurso do tempo, mas, de fato, de uma situação mais grave, que poderia ser evitada (pelo incorporador) e que, por isso, implica em uma reparação à pessoa prejudicada.

Não há uma regra única a respeito do prazo de responsabilidade do incorporador por vícios ou fatos decorrentes da obra. Isso ocorre porque a legislação vigente aponta, em situações diversas, prazos diferentes.

Para possíveis defeitos aparentes, de fácil constatação, o prazo para que o adquirente apresente reclamação à incorporadora é de 90 dias contados da data da entrega da unidade. Esse é o prazo mais curto previsto na legislação, justamente por se referir a problemas que podem ser verificados assim que o adquirente toma posse do imóvel.

Os vícios redibitórios, assim entendidos como os problemas ou defeitos pré-existentes, mas que estejam ocultos, devem ser verificados pelo adquirente em até um ano após a entrega do imóvel. A lei permite, ainda, que, se o defeito, por sua natureza, só puder ser constatado mais tarde, o adquirente possa reclamá-lo no prazo de um ano contado de sua constatação.

Por fim, existe também a responsabilidade do construtor (que se estende ao empreiteiro ou incorporador, conforme o caso) pela solidez e segurança do imóvel, inclusive pelos materiais utilizados e pela execução do projeto de maneira adequada, pelo prazo de 5 anos, contados da expedição do Habite-se.

A legislação prevê, ainda, outros prazos mais genéricos, como o de 5 anos para danos causados por falhas na prestação de serviços ou vícios de produto ao consumidor (sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor, portanto), e o de 10 anos para situações que não se encaixem nas hipóteses em que não haja prazo menor em lei.

Essas situações são as que costumam causar mais discussão em processos judiciais – e, consequentemente, maior insegurança jurídica para os incorporadores, pois acabam formando precedentes muitas vezes desconexos.

No entanto, há um instrumento que, embora não afaste por completo as dificuldades decorrentes disso, pode as diminuir.

Trata-se do Manual do Proprietário, um documento (cujas instruções para redação encontram-se na NBR 14.037) que é entregue aos adquirentes de unidades autônomas, informando-os, em síntese, quais são os cuidados que devem ter quanto à manutenção e à conservação do imóvel e o que podem esperar do bem.

Deste modo, a entrega de um Manual do Proprietário bem redigido pode minimizar riscos existentes posteriormente à entrega da obra, especialmente em relação aos materiais que sofrem desgaste com o tempo e às partes do imóvel que requerem, naturalmente, manutenções, tais como a fachada, o piso e a pintura.

Isso porque, ao ter em mãos o Manual, o proprietário do bem terá instruções claras sobre como pode fazer bom uso do imóvel adquirido. Tendo tais informações à disposição e as aplicando, a probabilidade de que o bem venha a apresentar algum problema é reduzida.

Ademais, ele também saberá de forma mais clara e direta o que pode esperar ou não daquele imóvel, por exemplo: quais são os desgastes que o bem naturalmente pode sofrer em decorrência do tempo ou do uso; que partes do imóvel exigem manutenções ou reparações – e quais delas são de responsabilidade do empreiteiro; dentre outras situações que podem gerar dúvida.

Com isso, pode haver uma diminuição de demandas descabidas, fundamentadas em situações decorrentes, por exemplo, de deteriorações pelo transcurso do tempo ou pelo mau uso do imóvel, sobre as quais o incorporador não tem controle.

Além disso, tendo um Manual claro, conciso e descomplicado, o proprietário também terá uma maior consciência de que nem tudo o que ocorre na obra é de responsabilidade do empreiteiro ou incorporador. Saberá que muitas situações se originam, como mencionado, do decurso do tempo, do uso ou de outras situações que não estão ao alcance do construtor.

Terá noção, também, de que deve fazer a parte dele para que o imóvel se mantenha em um melhor estado de conservação por mais tempo.

Por fim, outra vantagem decorrente do fornecimento de um bom Manual ao proprietário é o fato de transmitir a ele uma maior segurança ao fechar o negócio e ao receber a unidade adquirida. Ele entenderá como preservar adequadamente o bem adquirido, saberá como e quando acionar o empreiteiro para solucionar os problemas que forem de sua responsabilidade, bem como que se, mesmo tomando todas as cautelas e realizando as manutenções necessárias, aparecerem vícios ou defeitos no imóvel, terá o direito de pleitear por aquilo que for cabível.

Destaca-se que tais informações não devem constar apenas no Manual do Proprietário, acabando por ser uma “surpresa” ao adquirente do bem. Ao contrário, o contrato que instrumentaliza a aquisição do imóvel já deve fazer menção à existência do Manual, que será entregue junto à unidade, e à necessidade de que suas orientações sejam observadas. Além disso, deve trazer disposições acerca da responsabilidade das partes, servindo o Manual como um reforço daquilo que previamente já se tiver pactuado.

Em síntese, o construtor possui responsabilidades referentes à obra não só durante seu transcurso como também posteriormente à entrega. Embora isso possa ocasionar certa insegurança, esta situação pode ser amenizada caso o contrato seja claro quanto às responsabilidades das partes, bem como se houver a entrega de um bom Manual do Proprietário.

Com isso, o adquirente terá um maior conhecimento acerca daquilo que deve esperar do bem, quais são os defeitos que podem naturalmente aparecer pelo uso ou com o tempo e, por consequência, que problemas são, de fato, vícios redibitórios, de modo que não acionará o empreiteiro desnecessariamente, por desconhecer quais problemas realmente geram algum tipo de responsabilidade ao construtor ou quais são simplesmente naturais, não gerando prejuízos indenizáveis.

Como é feita uma estruturação clássica de parceria com permuta entre incorporadora e terrenista

26/10/2021 | Por Laila Gerdulli

 

Já mencionamos por aqui que, na estruturação de um empreendimento imobiliário, há, pelo menos, 7 maneiras diferentes em que se é possível formalizar a operação e definir a relação entre loteadora (ou incorporadora) e terrenista.

Também explicamos que não existe, entre essas, uma formatação “mais correta”. No entanto, a mais comum delas é, certamente, a parceria por meio de Permuta.

Essa popularidade provavelmente se deve ao fato de que esse é um dos modelos mais customizável do mercado: pode ser utilizado tanto em empreendimentos simples em cidades pequeníssimas quanto em grandes projetos com números de VGV ainda maiores, amoldando-se a negociações triviais e complexas.

A permuta é nada menos que uma troca de um bem (nesse caso, o terreno a ser loteado ou incorporado) por outro, que pode ser um conjunto de unidades autônomas futuras ou uma parte do resultado a ser obtido na comercialização delas.

Essa modelagem apresenta como principal vantagem a menor exposição financeira da desenvolvedora do empreendimento. Isto porque não será necessário desembolsar uma grande quantia de dinheiro para adquirir o imóvel a ser loteado ou incorporado, de modo que a desenvolvedora possa concentrar seus esforços (inclusive financeiros) na execução do empreendimento.

Sobre esse ponto, é importante lembrar, ainda, que não há, ao menos nas instituições financeiras tradicionais, uma linha de crédito disponível ao desenvolvedor para o financiamento da aquisição de terrenos para esses fins – embora já estejam surgindo no mercado alternativas bastante interessantes para a obtenção de recursos, como a tokenização de ativos imobiliários.

Essa vantagem financeira, aliás, acaba se estendendo também, invariavelmente, ao próprio terrenista, uma vez que, tendo a loteadora ou incorporadora mais recursos para a execução do empreendimento, muito maior é a probabilidade de seu sucesso.

Assim, diminui-se o risco do negócio ao próprio terrenista ao mesmo tempo em que se proporciona a ele uma possibilidade de ganho muito maior com a valorização imobiliária do que poderia ter com a simples venda do terreno.

Além disso, existe a possibilidade de o terrenista manter a propriedade de parte do imóvel – a depender da formatação da parceria escolhida pelas partes envolvidas.

Apesar desses benefícios, ao pensar em um mero contrato de permuta para a formalização do negócio, o dono do terreno pode ter algumas inseguranças: e se o empreendimento não for aprovado? E se, mesmo aprovado, não for executado ou concluído? Seria justo transferir o terreno desde o início à desenvolvedora para só poder receber uma contraprestação ao final do empreendimento?

Não é menor a preocupação da incorporadora ou loteadora nessa situação – se não é verificada viabilidade mercadológica para a implantação do empreendimento naquele local, o que ela faria com o terreno, que já estaria em seu nome?

Considerando todas essas preocupações, tão legítimas quanto comuns, desenvolveu-se, no mercado, uma forma padronizada bastante eficiente para esse tipo de operação.

Basicamente, estabelece-se, no contrato de permuta, que o dono do terreno deverá assinar uma escritura pública de compra e venda do imóvel à desenvolvedora, que fará a quitação do preço estabelecido por meio de uma nota promissória em caráter “pro soluto”.

Essa nota promissória, por sua vez, é resgatada pela desenvolvedora por meio da assinatura de uma nova escritura, constando a confissão da dívida da desenvolvedora em benefício do terrenista, a qual deverá ser paga com a entrega das unidades prometidas em permuta.

Juridicamente, essa operação que substitui uma operação por outra é denominada novação – quando o devedor contrai com o credor nova dívida para extinguir e substituir a anterior – e é plenamente válida e legal.

Todo esse mecanismo é necessário para que a matrícula do imóvel esteja livre de quaisquer ônus para o registro do empreendimento, conforme exigência legal – por esse motivo é que a solução que seria mais óbvia, de constituir no próprio imóvel a garantia de cumprimento da permuta, não é possível.

Vale ressaltar, no entanto, que essa prática pode variar de acordo com o lugar em que é feito o negócio. No Paraná, por exemplo, em 2018, foi expedido um ofício pela Corregedoria Geral de Justiça (o órgão que regula e supervisiona os cartórios) orientando aos notários que não permitissem o registro de escrituras que representassem esse tipo de operação.

Embora esse movimento tenha causado certa instabilidade no mercado local, em abril de 2020, o órgão manifestou-se novamente para revogar o referido o ofício , que havia sido expedido sem a devida atenção aos dispositivos legais.

A forma de tributação é mais um benefício desta modelagem.

Desde pelo menos 1988 , a Receita Federal reconhece que, para incorporadoras submetidas ao regime de lucro real, as operações de permuta — mesmo as formalizadas por escritura de compra e venda + nota promissória pro soluto + escritura de novação e confissão de dívida—não são tributadas (IRPJ, CSLL, PIS e COFINS), uma vez obedecidos certos requisitos. Só há tributação sobre eventual torna em dinheiro.

Mas a verdade é que são raras as incorporadoras que estão no lucro real. A maioria esmagadora opta pelo lucro presumido —a famosa faixa de 5,93% a 6,73% de tributos federais—, ou pelo RET (4,00%).

E a Receita, desde 2014 , deixou claro o entendimento de que, para ela, a não incidência de tributos na permuta só se aplicaria às empresas do lucro real. As do lucro presumido deveriam equiparar a permuta a uma compra e venda, e reconhecer o imóvel recebido em permuta como receita, com a consequente incidência dos tributos federais (IRPJ, CSLL, PIS e COFINS).

Felizmente, esse não tem sido o entendimento nem do Judiciário (STJ), nem do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF). Tanto administrativa, quanto judicialmente, as decisões têm favorecido os contribuintes (incorporadoras e desenvolvedores), para reconhecer o que nos parece lógico (e justo, para não dizer óbvio): permuta física significa troca de ativos e, portanto, independentemente de regime tributário, não há incidência dos tributos.