Prêmio Viagem: mitigação de riscos por acidentes durante viagens concedidas aos funcionários
Por Poliany Crevelaro / Direito Trabalhista / 20 outubro, 2020
Como vimos no artigo (Premiação a colaboradores: como conceder de forma segura?), a legislação trabalhista atual, possibilita que o funcionário em razão de desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades, usufrua de prêmios concedidos pelo empregador, dentre eles, as viagens.
O empregador pode conceder aos seus empregados viagens, nacionais ou internacionais, sujeita a riscos viários, aéreos, fluviais, marítimos etc. que podem acarretar a responsabilização do empregador.
Por isso, surge a dúvida: qual a possibilidade de responsabilização do empregador por eventuais acidentes ocorridos durante viagens dadas a título de prêmio? Qual seria a extensão da responsabilidade do empregador nesses casos?
Pode parecer impensável responsabilizar o empregador por um acidente ocorrido numa situação dessas, que à primeira vista está totalmente fora da alçada da empresa.
Mas não é bem assim. Uma decisão de 2018 do TST[1] (Tribunal Superior do Trabalho, a mais alta instância trabalhista do país) abriu precedente para a possibilidade de responsabilização de um empregador pelo acidente ocorrido com sua empregada, a qual havia ganhado como prêmio uma viagem aos EUA. O acidente ocorreu quando a funcionária se deslocava de Campos Novos (SC) ao aeroporto de Curitiba, onde pegaria um voo para Brasília para providenciar visto necessário para a entrada no país, a fim de desfrutar a premiação concedida pelos serviços prestados.
A van onde a mulher estava invadiu a pista e colidiu com um caminhão. Para justificar o pedido de indenização e o pagamento de pensão vitalícia, a assistente disse que o acidente ocorreu enquanto estava sob ordens da cooperativa, por culpa do motorista contratado pela empresa, empregador.
A empresa afirmou que a viagem não ocorria a trabalho, mas sim a lazer, e que havia sido oferecida como cortesia (prêmio), de forma a incentivar seus colaboradores. Para a empregadora, não estariam presentes os requisitos para a responsabilidade civil, devendo-se atribuir culpa exclusiva à vítima ou à empresa de transporte contratada, que fazia a condução da trabalhadora.
Os tribunais de primeira e segunda instâncias entenderam que não seria possível a responsabilização da empregadora pelo ocorrido uma vez que a viagem não era a trabalho e não foi realizada como exigência da empregadora e, que embora a viagem possa ser considerada de trabalho, tendo em vista ser consequência direta do contrato existente entre as duas partes, não implicaria o recebimento de indenização, pois a empresa não concorreu com dolo ou culpa para a sua ocorrência.
No entanto, para o relator do recurso da empregada ao TST, ministro Vieira de Mello Filho, “não pairam dúvidas de que a viagem decorreu do contrato de trabalho firmado entre as partes”. No seu entendimento, a premiação se deu pelo desempenho da trabalhadora na prestação de serviços em benefício do seu ex-empregador.
“Não se trata de transporte puramente gratuito, desinteressado, de simples cortesia, pois, embora feito sem retribuição em pecúnia, o empregador tinha interesse patrimonial, ao menos indireto, concernente à retribuição da prestação de serviços e/ou à qualificação técnica de seus empregados”, disse o ministro.
Vieira de Mello Filho entendeu que seriam aplicáveis ao caso regras civis, sobre a responsabilidade do transportador. Isso porque, segundo ele, o empregador equipara-se ao transportador ao assumir o fornecimento de transporte ao funcionário. Por unanimidade, a turma determinou o retorno do processo à Vara do Trabalho de origem para a fixação dos valores das indenizações por danos morais e materiais.
Ou seja, apesar de não ser o entendimento majoritário, é possível que haja a responsabilização de empresas fornecedoras de prêmios no caso de acidentes que ocorram durante o seu usufruto.
Realmente, embora existam decisões nesse sentido, desfavorável aos empregadores, também há decisões no sentido de que a empresa só poderia ser responsabilizada por eventual acidente ocorrido caso fosse comprovada a sua culpa no deslindar dos fatos, justamente o fator causador da condenação acima mencionada, exemplo disso seria outro precedente do ano de 2018 do mesmo TST[2] (mesmo ano, mesmo tribunal), que pode ser resumido na seguinte passagem:
“Afigura-se razoável e ordinário, do ponto de vista prático, que o empregado, possuindo veículo, optasse por fazer a viagem nele, considerando que estaria de mudança para a cidade de destino, como se infere da menção ao fato de que a empresa havia providenciado hotel para os 20 primeiros dias de sua estada lá. Ainda que o empregador seja responsável por garantir a segurança e a integridade dos seus empregados - e ele é, não se discute isso –, também é certo que tal exigência deve se restringir aos limites daquilo que está ao seu alcance, como providências relacionadas ao local de trabalho, equipamentos, normas de repouso e meio ambiente saudável e seguro, de uma forma geral, ainda que este possua conceito dinâmico - e não se circunscreva ao local de trabalho propriamente dito. No aspecto do transporte, significa não impor deslocamentos inseguros, a partir do juízo mediano de aferição. Não é possível afirmar que a ocorrência de uma fatalidade, como a relatada nos autos, seja suficiente para se concluir que o empregador falhou no seu dever, sob pena de se lhe atribuir a obrigação de garantir a incolumidade como resultado final, e não como parâmetro orientador de sua conduta.”
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Ou seja, nesse outro precedente, o elemento principal necessário para a caracterização da responsabilidade de indenizar da empregadora em caso de acidentes deste tipo é a relação de causalidade[3] entre a atuação dela e o dano.
Tecnicamente, no Direito, há situações que excluem essa relação de causalidade. As chamadas “excludentes”:
- Culpa exclusiva da vítima;
- Culpa exclusiva de terceiro;
- Fato fortuito ou força maior;
Claro que a caracterização dessas situações deve ser analisada caso a caso.
No caso da empregada que conseguiu a condenação de sua empregadora pelo acidente que sofreu durante o translado para a retirada de seu visto, concluiu-se pela existência dessa causalidade entre a conduta da empresa o resultado alcançado (acidente) no fato de que a empregadora foi a responsável pela contratação da transportadora causadora do acidente.
O que se conclui é que, de modo geral, somente será possível a responsabilização de uma parte por danos sofridos por outrem, caso tenha culpa no ocorrido.
Apesar de não se garantir a exclusão da culpa de eventual do empregador em possíveis acidentes sofridos por seus empregados durante a fruição de seus prêmios viagens, esse risco pode ser mitigado com a delimitação prévia de quais os serviços e risco competem de fato a ele enquanto empregador. Havendo, portanto, a incidência de situações inesperadas que possam gerar a sua responsabilização civil, com a extensão fortemente delimitada, é possível aumentar bastante a segurança do empregador em caso de eventuais litígios futuros.
Tal delimitação poderá ser realizada por meio de termo de conhecimento e assunção de riscos pelos empregados que forem usufruir do prêmio viagem. Tal documento deverá ser formulado de acordo com cada situação em específico, de modo a garantir que, não cumpridas as regras ali dispostas, o empregador seria isentado de responsabilidade por indenização em favor do empregado.
Essa exclusão seria alcançada tendo em vista o total cumprimento, pelo empregador, das medidas que estivessem ao seu alcance para garantir e assegurar ambiente seguro em que seu empregado seria inserido. Isso porque, não sendo possível que ele esteja pessoalmente no local para garantir que as normas de segurança sejam cumpridas, o seu dever de proteção e zelo pela integridade dos empregados seria cumprido na exposição dos possíveis riscos aos empregados e de como poderiam, eles, diminuí-los.
Por exemplo, em relação ao transporte utilizado pelo empregado durante a fruição do prêmio viagem, ele pode ser rodoviário, aéreo, fluvial, marítimo etc.
No caso de prêmio que necessite de transporte rodoviário, deve o empregador redigir termo afirmando que a escolha do meio de transporte partiu do empregado – qual seja, veículo próprio, ou pela utilização do transporte fornecido pelo empregador. Caso escolha o veículo fornecido pelo empregador, deve constar que tal escolha foi realizada de forma livre pelo empregado, visando o seu maior conforto, apesar de ter a opção de transportar-se por conta própria, e que, por isso, não se responsabilizará o empregador por eventuais acidentes que ocorreram por culpa da empresa de transportes contratada.
Da mesma forma, caso o empregado escolha viajar com seu veículo particular, por conta própria, deve o mesmo assumir todos os riscos do percurso, quais sejam, acidentes a que ele pode dar causa, acidentes causados por terceiros, entre outros, e que não responsabilizará o empregador por eventuais danos ocorrido.
Enfim, isso ainda se aplica a todas as viagens, concedidas como prêmio, uma vez que o empregador não possui condições de fiscalizar o empregado e verificar se ele está tomando os cuidados adequados, de modo que a elaboração do termo de conhecimento e assunção de riscos é essencial na concessão de prêmio viagem, minimizando o risco de responsabilização por acidentes.
[1] Processo TST-RR-10925-39.2015.5.12.0012
[2] Processo TST-RR-521-38.2013.5.03.0047
[3] Relação de causa e efeito entre uma conduta e um resultado.
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