O ano de 2021 ficou marcado pelo avanço da vacinação contra a covid-19. Com este cenário animador, diversas empresas traçaram estratégias para o retorno ao trabalho presencial.
De acordo com pesquisa da KPMG no Brasil, realizada entre julho e agosto de 2021, que contou com a participação de 287 empresários de diversos setores, 52% dos entrevistados afirmam que retomariam o trabalho presencial ainda no segundo semestre de 2021, enquanto 40% apontam que isto deveria ocorrer ainda no primeiro semestre de 2022[1].
Porém, um dos desafios na retomada do trabalho presencial reside no fato de que, nos dois últimos anos, os funcionários passaram por um longo período de adaptação às rotinas do home office, de modo que o retorno ao trabalho presencial, ainda que flexibilizado, não é unânime.
É neste ponto onde surgem os desdobramentos de natureza trabalhista, afinal…
[1] Disponível em: https://home.kpmg/content/dam/kpmg/br/pdf/2021/09/retorno-escritorios-ago-21.pdf
O funcionário pode se recusar a retornar ao trabalho presencial?
Atualmente não há norma legal que obrigue as empresas a manterem o regime de trabalho remoto; deste modo a empresa poderá exigir que o funcionário retorne ao trabalho presencial, podendo aplicar medidas disciplinares ao funcionário, em caso de recusa. Recomenda-se, contudo, que seja garantido um prazo de transição mínimo de 15 dias, na forma do § 2º, do art. 75-C da CLT.
Porém, no retorno ao trabalho presencial a empresa deverá atender a todos os protocolos de segurança vigentes em razão da pandemia, dos quais se destaca a Portaria Conjunta nº 20/2020 do Ministério da Economia e da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho que estabelece as medidas a serem observadas visando à prevenção, controle e mitigação dos riscos de transmissão da COVID-19 nos ambientes de trabalho.
Caso o funcionário – especialmente aqueles que encontram no chamado grupo de risco –, recuse o retorno ao trabalho presencial, é conveniente que a empresa exija do funcionário um atestado/laudo, contendo a justificativa médica que impeça o retorno ao trabalho presencial, lembrando que o receio de contaminação não é uma justificativa válida.
Posso exigir o comprovante de vacinação dos funcionários?
Aqui começam a surgir alguns desdobramentos mais complexos. Isto porque, no início de novembro de 2021, o Ministério do Trabalho publicou a Portaria nº 620/21 que considera prática discriminatória a exigência do comprovante de vacinação dos funcionários na contratação ou na manutenção do contrato de trabalho.
No entanto, o Ministro Luís Roberto Barroso, do STF, em decisão liminar nas ADPFs 898, 900, 901 e 904, determinou a suspensão dos dispositivos da referida portaria, com ressalva em relação às pessoas que possuem expressa contraindicação médica.
Neste cenário de incertezas, há diversos argumentos jurídicos que permitem exigir a apresentação do comprovante de vacinação dos funcionários, pois se trata de uma medida que visa a proteger a saúde não apenas dos demais funcionários, como também de clientes, fornecedores, parceiros, ou seja, a população em geral.
Por outro lado, cabe reforçar que a maior segurança jurídica somente virá com o desfecho da discussão sobre a inconstitucionalidade da portaria no STF.
Cabe destacar que caso a empresa opte por exigir o comprovante de vacinação dos empregados, deverão ser observados os princípios gerais da LGPD.
Neste caso, a princípio, a base legal para tratamento é a “proteção da vida ou incolumidade física do titular ou de terceiro” que trata a alínea “e”, inciso II, do art. 11 da LGPD, uma vez que a Constituição Federal traz o dever do empregador em assegurar a todos os empregados um meio ambiente de trabalho seguro.
Por outro lado, caso seja editada lei que obrigue o funcionário a vacinar-se para desempenhar as funções, poderá ser utilizada a base legal “cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador” da alínea “a”, inciso II, do art. 11 da LGPD.
Acesse nosso Hub de conteúdo sobre a COVID-19: Clique Aqui.
Posso exigir que o funcionário utilize a máscara?
O uso da máscara é regulamentado por decretos municipais, estaduais, bem como na Lei nº 14.019/2020 que torna obrigatório o uso de máscara de proteção individual em espaços públicos e privados acessíveis ao público.
Em Maringá, o uso de máscaras permanece sendo obrigatório para toda a população acima de 3 anos de idade, por meio do Decreto nº 19/2022.
Sendo assim, caso o funcionário se recuse a utilizar máscaras de proteção ou utilize-as de maneira indevida, a empresa poderá aplicar penalidades que podem ir desde a uma advertência, suspensão ou demissão por justa causa, em casos de reincidência.
Inobstante as regulamentações nas normas legais, a empresa pode reforçar a obrigatoriedade utilizando os canais internos disponíveis, como códigos de conduta ética e regulamento internos.
Cabe destacar que a Portaria Conjunta nº 18/2020 do Ministério da Economia e da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho estabelece que a empresa deve orientar os trabalhadores sobre o uso, higienização, descarte e substituição das máscaras, bem como exigir o se uso em ambientes compartilhados ou naqueles em que haja contato com outros trabalhadores ou público.
Caso haja suspeita de contaminação, quando o funcionário poderá retornar ao trabalho?
Na segunda-feira 10 da semana passada, o Ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, anunciou uma redução no tempo de isolamento para pessoas infectadas com o coronavírus, assintomáticos ou pessoas com suspeita de infecção, cujo teste tenha sido negativo.
Com essas novas recomendações, o período de isolamento ficou da seguinte forma:
- A partir do 5º dia, desde que não apresente sintomas respiratórios ou febre por pelo menos 24 horas, o paciente poderá realizar antígeno ou PCR. Com o resultado negativo, poderá sair do isolamento, caso o teste seja positivo, deverá permanecer em isolamento até o 10º dia;
- A partir do 7º dia, desde que esteja assintomático, o paciente está liberado do isolamento. Caso apresente sintomas respiratórios ou febre, deverá realizar o teste, sendo negativo, poderá sair do isolamento, do contrário terá que aguardar até 10 dias e somente quando não apresentar mais sintomas;
- Após 10 dias, desde que o paciente não apresente sintomas respiratórios.
Entretanto, cabe pontuar que por se tratar de questão médica, o caso concreto deve ser avaliado para garantir maior segurança jurídica.
É importante, ainda, traçar uma distinção entre licença médica e isolamento. A primeira, se trata de um direito de afastamento do funcionário, que em decorrência de alguma doença se encontra impossibilitado de realizar suas atividades. Por outro lado, no segundo caso, o funcionário pode continuar realizando suas atividades habitualmente em regime de home office.
Isto significa que, caso o funcionário apresente um atestado médico indicando o afastamento/licença, o período deverá, necessariamente, ser abonado da sua remuneração. Já nos casos em que o funcionário apresenta apenas um teste positivo (antígeno ou PCR), estando assintomático, porém com a recomendação de quarentena, ele poderá continuar exercendo suas funções em home office.
Sobre as gestantes, elas já podem retornar ao trabalho presencial?
Sobre o tema, atualmente está em vigor a Lei nº 14.151/2021, onde fica estabelecido que as empregadas gestantes devem permanecer afastadas do trabalho presencial, sem prejuízo da sua remuneração, devendo exercer as atividades em suas casas em home office.
No entanto, a Câmara dos Deputados aprovou recentemente o Projeto de Lei 2.058/21, que institui medidas para disciplinar o retorno das empregadas gestantes ao trabalho presencial.
O texto do projeto autoriza o retorno das gestantes para o trabalho presencial, desde que elas tenham sido totalmente imunizadas, que tenham se recusado a se submeter ao programa nacional de vacinação, ou após o encerramento do estado de emergência de saúde pública decorrente do coronavírus.
Isto significa que as empregadas gestantes que estiverem imunizadas com a segunda dose da vacina há pelo menos 15 dias poderão retornar às atividades presenciais. Igualmente, as gestantes que recusarem a vacinação ficam autorizadas a retornar para as atividades presenciais.
Lembrando que, neste último caso, é recomendado colher um termo de responsabilidade, com a desistência ou recusa de vacinação.
Nos casos em que as atividades da empregada gestante – que não estiver completamente imunizada – forem incompatíveis com o trabalho à distância, a gestação será considerada como gestação de risco até completar a imunização e receberá, em substituição à sua remuneração, o salário-maternidade. Isto significa que o empregador não ficará mais responsável por arcar com a remuneração integral da empregada gestante, caso as atividades sejam incompatíveis com o trabalho à distância.
A proposta ainda deverá ser encaminhada ao Senado e, caso seja aprovada, seguirá para sanção ou veto do Presidente da República, e somente produzirá seus efeitos após a publicação no Diário Oficial da União.
No fim das contas…
O que estamos vivenciando nos últimos anos por conta da pandemia do coronavírus, não apenas sob a ótica das relações de trabalho, é um cenário cercado de incertezas. Infelizmente a legislação não vêm acompanhando as necessidades e os desdobramentos da pandemia – vide as regras sobre o retorno ao trabalho das gestantes.
Porém, o resultado disso é que aprendemos diariamente a reavaliar prioridades, realocar recursos de forma mais estratégica, o que apenas revela a criatividade de empresários nos mais diferentes setores de negócios.
Estas foram algumas orientações do departamento trabalhista empresarial da Moreira Suzuki Advogados, para brindar o início do ano de 2022.