Reflexos da Aprovação da MP 1108 (O que acontece com o controle de jornada no teletrabalho?)

Moreira Suzuki /
10 agosto, 2022

Boa Leitura!

 

No final de março deste ano foram publicadas duas medidas provisórias (1.108 e 1.109), cujo objetivo foi regulamentar o teletrabalho, ou – nos termos da nova norma -, a prestação de serviços fora das dependências do empregador, de maneira preponderante ou não, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação, que, por sua natureza, não se configure como trabalho externo.

No último dia 3 de agosto, muito próximas de caducar, ambas as medidas provisórias foram aprovadas no mesmo dia tanto pela Câmara como pelo Senado. Com isso, a matéria deve seguir para sanção ou veto do Presidente da República, que provavelmente irá sancioná-las. 

A maior novidade dessas medidas – ou pelo menos a mais controversa – gira em torno da possibilidade de controle de horários enquanto o funcionário estiver em regime de teletrabalho. A medida provisória 1.108/2022 definiu que o teletrabalho pode ser realizado por jornada ou por produção ou tarefa.

Na prática, a empresa pode contratar um funcionário em regime de teletrabalho para cumprir uma determinada jornada de trabalho, ou contratá-lo para a prestação de serviços por produção ou tarefa, sem a necessidade de sejam controlados os horários de trabalho, cabendo ao funcionário, neste caso, apresentar e entregar os serviços contratados.

Antes disso, o funcionário em regime de teletrabalho seria equiparável àquele que exercesse o trabalho externo, não estando submetido, a princípio, ao controle de jornada. Desta forma, não iria possuir direito ao recebimento de horas extras, por exemplo.

O funcionário em regime de teletrabalho – assim como aquele em trabalho externo – somente faria jus ao pagamento de horas extras se fosse comprovada a possibilidade de controle de jornada.

Nos últimos anos constatamos uma grande evolução nos modos de prestação de trabalho, incluindo aqui as modalidades de controle de jornada.

Atualmente disciplinado na Portaria nº 671 do Ministério do Trabalho e Previdência, o registro eletrônico pode ser realizado de três formas:

  • REP-C (convencional);
  • REP-A (alternativo);
  • REP-P (software/programa)

Com isso, vem se tornando cada vez mais prático o registro de eletrônico, sendo que muitas empresas já adotam integralmente o sistema de ponto por app, seja na modalidade REP-A ou REP-P.

Nesse sentido nos parece que cada vez vem se tornando mais difícil desatrelar o teletrabalho do controle de jornada.

Apesar disso a realidade é que, anteriormente à edição da medida provisória do teletrabalho, ainda que não fosse obrigatório, muitas empresas optavam por realizar o controle de jornada do funcionário em teletrabalho, especialmente por conta dos riscos envolvidos.

Com a edição da medida provisória do teletrabalho, muitas empresas que não possuíam registro de jornada para o funcionário em home-office readequaram os acordos, estabelecendo a necessidade do registro de jornada, por conta dos possíveis riscos que a ausência de registro traria (pagamento de horas extras, intervalos, etc).

Agora que ambas as medidas provisórias estejam próximas de serem convertidas em Lei, como ficarão os acordos de teletrabalho que foram readequados durante a vigência da medida provisória? Significa dizer que “confessaram” a possibilidade de realizar o controle de jornada? E para aqueles que resolvem “esperar” a conversão da medida provisória para readequar os contratos de trabalho? 

Vamos abordar estes dois cenários. O primeiro deles é:

Fizemos as adequações da medida provisória e implementamos o controle de jornada aos funcionários em teletrabalho.

Nesta hipótese, não havendo vetos no texto da lei – o que pode ocorrer, já que se trata de uma das funções do Presidente da República – o controle da jornada de trabalho no teletrabalho será obrigatório, exceto quando se tratar de prestação de serviços por produção ou tarefa.

Considerando este cenário, as empresas que implementarem o registro de jornada aos funcionários em regime de teletrabalho, podem vir a ficar expostas a um passivo trabalhista em relação ao período anterior da medida provisória, já que ao implementar o registro, estariam “confessando” a possibilidade de realizar o controle de jornada, inviabilizando a tese de equiparação ao trabalho externo e impossibilidade de controle de jornada.

Neste caso, as empresas que não possuíam o registro de jornada aos funcionários em teletrabalho e somente implementaram por conta da adequação à medida provisória, assumiram um grande passivo trabalhista.

Lembra o que falamos lá no início do nosso bate-papo? Lembra que antes da medida provisória, o funcionário em regime de teletrabalho seria equiparável àquele que exercesse o trabalho externo, não estando submetido, a princípio, ao controle de jornada, e somente jus ao pagamento de horas extras se fosse comprovada a possibilidade de controle de jornada?

Pois então, ao implementarem o registro de jornada em função da medida provisória, estas empresas acabaram “confessando” a possibilidade do controle de jornada.

Por conta disso, o risco é que, daqui a um ano, por exemplo, um ex-funcionário ingresse com uma reclamatória trabalhista, requerendo o pagamento de horas extras e intervalo intrajornada, sob o argumento de que a empresa detinha, sim, a possibilidade de controle de jornada, tanto que o fez, ainda que por força da medida provisória do teletrabalho.

Isto dependerá, é claro, da visão dos Tribunais acerca da questão, porém, é inegável que a medida provisória expôs empresas a este indesejado passivo trabalhista.

E para aqueles que decidiram esperar?

Por outro lado, caso a empresa não tenha implementado o registro de jornada no período de vigência da medida provisória – o que não se nega que é justificável, considerando o passivo já relatado acima – pode ser conveniente aguardar a sanção pelo executivo, o que deve ocorrer nas próximas semanas, para somente a partir daí implementar o controle de jornada no teletrabalho.

É certo que as empresas que escolheram esperar ainda estão sujeitas ao risco da possibilidade de implementação de registro de jornada no período anterior da medida provisória, que poderá ser discutido em eventuais reclamatórias trabalhistas.

No fim das contas, o que poderia ser deliberado em vias próprias no Congresso Nacional e Senado, será transferido aos Tribunais do Trabalho, que ficarão responsáveis por deliberar se a empresa “confessou” a possibilidade de controle de jornada ou, meramente, adotou esforços para se adequar a uma medida provisória. 

E para concluir…

A realidade é que vivemos em um cenário de incerteza jurídica. Este modelo de legislação, via medida provisória, parece pertinente em casos de urgência – em razão da pandemia do Coronavírus, por exemplo, porém em situações/condições normais/favoráveis, acabam aumentando ainda mais o risco para o empreendedor, o que certamente poderia ser evitado caso fosse proveniente de um projeto de lei, bem discutido e bem fundamentado.

Independentemente disso, o empreendedor brasileiro deve continuar tomando as melhores decisões para a saúde da sua empresa, devendo, para isto, tomar ciência dos riscos envolvidos nestas alterações legislativas temporárias.

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