Como funciona a estruturação de empreendimentos imobiliários?
O mercado imobiliário passa por fases, e evolui. O que se nota, principalmente em centros locais e regionais, é a maior profissionalização de consultorias jurídicas especializadas em estruturação de empreendimentos imobiliários. Se em grandes centros já há muitos anos os projetos imobiliários são estruturados e documentados de ponta a ponta, desde a aquisição do terreno até o pós-entrega, em centros regionais até pouquíssimo tempo atrás a informalidade e o amadorismo eram a tônica.
Pode-se pintar um cenário: permutas com terrenistas formalizadas em protocolos de intenção genéricos de três páginas, absoluta inexistência de due diligence em relação ao terreno e aos vendedores/permutantes, a moda das SPEs embasadas em contratos sociais tirados de “modelos” da internet, convenções de condomínio copiadas a esmo de empreendimento para empreendimento, lançamentos realizados antes mesmo do registro da incorporação ou do loteamento, modelos de compromissos de compra e venda inadequados (e desconformes, inclusive, à lei), estruturas de capital inexistentes, investidores que realizam aportes sem qualquer formalização do veículo do investimento, dependência absoluta do mercado financeiro nas incorporações imobiliárias, total inexistência de fontes de financiamento para projetos de lotes.
Enfim, a lista é grande, e caracteriza a paisagem das estruturas jurídicas dos empreendimentos imobiliários de muitos centros regionais.
Mas pode ser diferente. Aliás, precisa ser diferente. A realidade não aceita mais as práticas do passado. Alguns fatores indutores dessa mudança:
Como é ser diferente? A estruturação jurídica de empreendimentos imobiliários de ponta a ponta se inicia na Aquisição do terreno que será desenvolvido, passa pela Aprovação de projetos perante os órgãos competentes, depende da estrutura de capital para o Financiamento, evolui para o Lançamento do produto, zela pela conformidade da fase de Obras, e quase termina na Entrega, pois ainda resta a fase de Pós-obras.
Ou seja, são, basicamente, as 6 fases de qualquer empreendimento imobiliário:
A diferença essencial está nos detalhes. Em vez de terrenista e desenvolvedora assinarem uma “opção” ou um “protocolo de intenções” genérico, sem praticamente qualquer detalhe, passam a estabelecer regras mais específicas entre si, visando à correta alocação de riscos e responsabilidades de parte a parte.
Mais fácil com exemplos práticos. O início de qualquer empreendimento imobiliário é a Aquisição do terreno onde ele será desenvolvido. E o primeiro ato dessa fase é a assinatura de um documento preliminar, que pode ser uma Opção, um Protocolo de Intenções, um Memorando de Entendimentos, ou, até mesmo, um Compromisso.
Quando a aquisição ocorre por compra simples do terreno pela desenvolvedora, sem vinculação alguma ao empreendimento futuro, esta fase não apresenta muitos desafios. Mas aquisições por compras simples são raríssimas. Os terrenistas, quando vendem, não querem vender simplesmente o terreno (aquelas duas casas velhas sobre terrenos grandes, ou aquele sítio recentemente tornado urbano); vendem os terrenos onde poderá ser construído um edifício de 10 andares (se pagar outorga, mais andares); vendem o sítio que poderá ser loteado em 240 lotes.
Ou seja, os terrenistas não costumam vender o que o imóvel é, mas o que ele pode ser. Mas todos os Desenvolvedores sabem que, entre “poder ser” e “ser”, existe um longo percurso. E esse percurso normalmente exigirá uma alta exposição de caixa, além de agregar diversos riscos, dentre os quais, o de mercado (recepção pelo mercado consumidor do produto que será lançado).
Por isso, não faz muito sentido para a maior parte dos Desenvolvedores realizar a compra simples do terreno. Preferem-se as parcerias, onde parte do risco e, também, do retorno do empreendimento são compartilhados entre Terrenistas e Desenvolvedores.
Nesse contexto, Terrenistas e Desenvolvedora conversam com base em estudos preliminares do empreendimento que “cabe” naquele terreno, e chegam a um ajuste comercial da parceria. Algo parecido com: o Terrenista entrará com o terreno, a Desenvolvedora com o restante (obras, vendas, etc.), o loteamento ou a incorporação precisarão ser finalizados em X meses, e o Terrenista terá direito a “N Lotes ou Unidades”, ou “X metros quadrados de lotes urbanizados ou de área privativa”, ou “X% da área dos lotes urbanizados, ou da área privativa”, ou a “X% do VGV - Valor Geral de Vendas do empreendimento”, ou ainda a “X% da Receita Líquida de Venda das unidades/lotes”, ou outra métrica de ajuste comercial.
Era muito comum, então, que Terrenistas e Desenvolvedores assinassem um documento preliminar, sob o apelido de Opção, Protocolo de Intenções, ou algo do gênero, restringindo a regular apenas esse ajuste comercial, ou pouco mais do que isso (por exemplo, um prazo geral para obter certidão de viabilidade da Prefeitura Municipal).
Mas existe uma enorme quantidade de outras definições que gravitam em torno desse ajuste comercial. Alguns exemplos:
Enfim, esses são apenas alguns exemplos de definições que podem (em muitos casos, devem) estar previstas já no documento preliminar.
Evidentemente que há casos em que a negociação de condições mais específicas implicará muitos recursos (tempo, desgaste, etc.), e poderá ser estrategicamente adiada para um documento posterior (um compromisso particular de permuta, a escritura de compra e venda, ou o acordo de sócios, por exemplo); mas o quanto mais os documentos preliminares puderem ser específicos, sem excessivo desgaste, mais vinculantes ele podem se tornar e, com isso, cada lado (Terrenistas e Desenvolvedores) passa a dispor de mais segurança quanto à alocação de riscos do negócio.
Afinal, enquanto tudo o que for essencial não estiver “combinado” e reduzido no papel, sempre haverá justificativa de uma das partes de “refugar”, usando uma definição em aberto como pretexto. E, com isso, Terrenistas poderão ter perdido tempo e a possibilidade de novas oportunidades de outros Desenvolvedores; e estes poderão ter gastado tempo, bastante dinheiro em estudos arquitetônicos, de mercado, orçamentos, análises de viabilidade, sem contar a perda da oportunidade de um novo lançamento.
Falaremos mais detalhes da estruturação nos próximos artigos.
Por Vicente Suzuki / Direito Imobiliário / 25 maio, 2021
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