Entendendo a conformidade trabalhista

No Brasil, o compliance trabalhista tem sido difundido de uma maneira mais ampla apenas nos últimos anos. Isto se deve por conta dos desdobramentos da Operação Lava Jato, promovida pela Polícia Federal, que se iniciou em meados de 2014. Esta investigação revelou um dos maiores esquemas de corrupção envolvendo empresas privadas e estatais, empresários e servidores públicos, dentre outros diversos partidos políticos e autoridades dos Poderes Executivo e Legislativo.

Este episódio ocasionou diversos prejuízos à imagem e à saúde reputacional das empresas envolvidas no esquema, demandando grandes esforços para a defesa jurídica dos casos de improbidade administrativa. Além disso, houve uma severa desmoralização do setor de empreiteiras de grandes obras de infraestrutura, que sofreu com a paralisação das obras ou o corte de investimentos.

Com isso, cresceu o senso de urgência de adotar modelos empresariais onde a responsabilidade é estabelecida de uma forma mais clara, com o objetivo de modernizar as práticas, melhorando o relacionamento e sua recepção com o mercado, sejam com fornecedores ou clientes, e com os bancos.

Vale lembrar que o compliance não garante uma imunidade empresarial, até porque, empresas como a Petrobras ou a Odebrecht, que tiveram seus nomes envolvidos na Operação da Lava Jato, de fato possuíam programas de compliance, no entanto, nenhuma delas agiu em conformidade com seus próprios regimentos e códigos internos.

Dessa forma, a implementação de um projeto de compliance não significa apenas a elaboração de um manual de boas práticas, mas sim, de transformar a cultura da empresa, para que todos os colaboradores, desde os cargos operacionais até à diretoria, passem a agir da forma correta com as ferramentas certas, e sobretudo, que a empresa tenha como provar isto.

Nesse sentido, a conformidade trabalhista se revela um potente diferencial competitivo para as empresas do setor privado. A transparência aliada a uma boa infraestrutura, auxilia na identificação e antecipação dos riscos, como também na adequação do modelo empresarial às obrigações normativas das legislações locais, o que é capaz de garantir um impulsionamento dos resultados financeiros, pois confere credibilidade e segurança, evitando possível multas e passivos judiciais com a necessidade de defesa em processos trabalhistas.

O que é compliance trabalhista?

A expressão compliance, tendo como berço os Estados Unidos, vem da expressão “to comply”, que por sua vez consiste em “obedecer a uma ordem, procedimento”. Em linhas gerais, significa estar em conformidade com a legislação e a regulamentação aplicável ao negócio e às políticas internas estabelecidas pela empresa.

O compliance trabalhista rege as adequações e conformidades com a legislação das relações de trabalho, abrangendo tanto as normas jurídicas como também as normas coletivas. É uma importante ferramenta que traz diversas vantagens e benefícios à empresa, seja na condução de ações que visam à diminuição do indesejado passivo trabalhista, ou mesmo na garantia de um ambiente de trabalho mais adequado, promovendo maior engajamento e integração entre os colaboradores.

Em resumo, o compliance trabalhista envolve as normas, regulamentos e procedimentos que visam alterar a cultura organizacional da empresa. Surgiu como uma vertente do compliance instituído pela Lei da Anticorrupção. Isto é, o compliance nasceu como uma ferramenta anticorrupção, e considerando a necessidade de determinada empresa estar em conformidade com as normas que envolvem as relações de trabalho, surgiu a necessidade do compliance trabalhista.

Vale lembrar que não há nenhuma lei que exija a instituição e a estruturação de um programa de compliance trabalhista, porém temos alguns exemplos de Leis Estaduais, tal qual se vê nos estados do Rio de Janeiro e do Distrito Federal, onde as empresas que tratam com o serviço público e com o poder público, devem obrigatoriamente instituir um programa de compliance trabalhista.

Atualmente, quando o assunto é sobre compliance, a discussão não se resume apenas às relações entre empresas privadas e entes públicos. Estas ferramentas de conformidade podem ser inseridas em diversas áreas corporativas, inclusive, a que será abordada neste artigo, que é a área trabalhista.

Ao discutirem-se as relações de trabalho, sempre surge o mesmo assunto: os conflitos judiciais trabalhistas. Isto se deve ao alto índice de reclamatórias trabalhistas que vêm retomando aos elevados números do período anterior à Reforma Trabalhista no final de 2017.

De acordo com dados levantados pelo Tribunal Superior do Trabalho, no ano de 2019 as varas do trabalho receberam cerca de 1.800.000 novas reclamatórias trabalhistas. Isto representa um acréscimo de 5,4% a mais que em 2018. A região sudeste é onde se concentra a maior quantidade de novos casos, sendo que os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, por si só já representam quase a metade dos novos casos.

Neste contexto, as grandes empresas e demais escritórios corporativos vem aumentando os investimentos na implantação do compliance trabalhista, com o intuito de diminuir estas estatísticas, reduzindo seu passivo trabalhista. Especialmente neste período pós-reforma trabalhista, onde foi inserida a possibilidade das negociações de direitos trabalhistas entre empregador e empregadora.

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Quais as vantagens do compliance trabalhista?

A princípio, embora possa parecer um tanto rasa a proposta de implementação de um projeto de conformidade com a legislação, o compliance trabalhista possui diversas vantagens. Torna o negócio mais sustentável a longo prazo, aumenta a atratividade de colaboradores, incrementa a performance do time, ao melhorar a cultura e o clima organizacional, previne passivos e, com isso, elimina deságios em valuations, evita provisões em excesso, e, então, impacta positivamente nos resultados da organização.

Realmente, o compliance trabalhista entra em cena justamente para trazer uma transformação na cultura organizacional, com a elaboração de documentos, procedimentos, que visam primariamente a redução do passivo trabalhista, e, por consequência, aumentando os lucros de determinada operação.

A primeira vantagem objetiva é a prevenção e mitigação dos riscos em relação às normas que a empresa está submetida, sejam as legislações, acordos e convenções coletivas, ou mesmo as portarias e eventuais orientações técnicas dos órgãos fiscalizadores. Isto é, o compliance trabalhista visa a identificar, mitigar e remediar os riscos das relações de trabalho.

Em seguida, a partir do momento em que determinada empresa possui uma estrutura ou plano de implementação do compliance trabalhista, há uma conscientização acerca das condutas que são indesejadas, com base nos itens que foram identificados anteriormente, servindo como um guia para o Departamento de Recursos Humanos detectar estas condutas intoleradas, e, utilizando-se das ferramentas disponíveis, tomar as devidas providências para remediar ou amenizar os problemas que podem surgir disto.

Outra vantagem da implementação e estruturação de um programa de compliance é conscientização dos seus funcionários, para que sejam capazes de identificar sinais em outras empresas, sejam fornecedores ou mesmo concorrentes, inclusive, de eventuais condutas irregulares e que podem vir a impactar um negócio ou operação da sua empresa.

Dentre as outras diversas vantagens, podemos citar por último que após a implementação de um programa de compliance trabalhista, a saúde e imagem reputacional e também o valuation da empresa tende a crescer, reduzindo o turnover (rotatividade dos funcionários) e aumentando a produtividade dos empregados.

Além disso, é capaz de trazer segurança a possíveis novos parceiros comerciais. Lembrando ainda que, como dito lá atrás, em determinados estados é obrigatório à empresa que deseja contratar com algum ente público, a implementação de um projeto de conformidade com a legislação trabalhista.

E como posso implementar o compliance trabalhista?

É importante frisar que o compliance trabalhista é um programa de integridade que traz um conjunto de ferramentas que visam à regularidade, ao comprometimento e à segurança jurídica da empresa na tomada de decisões.

Ele deve ser elaborado de acordo com a realidade e particularidades da própria empresa, por isso as etapas que serão abordadas a seguir são exemplificativas; na prática, poderão ser utilizadas outras ferramentas para traçar os caminhos e atingir os resultados do compliance trabalhista.

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    Análise dos riscos

    Nesta primeira etapa é realizada uma auditoria prévia cujo objetivo será a identificação e detalhamento dos possíveis riscos conforme o segmento, sendo necessário um estudo sobre quais normas jurídicas ou coletivas a empresa está submetida, a revisão de documentos relacionados aos contratos de trabalho, relacionando também com outros fatores externos, tal qual as mudanças de mercado.

    Para que o projeto de compliance esteja adaptado à determinada empresa, é importante conhecer o quão ela já está – ou não – inserida em uma conformidade trabalhista.

    Alguns dos problemas que são identificados nesta etapa, podem envolver

  • a

    Organização de documentos:

    este é um dos problemas mais comuns que pode ser verificado nas empresas que não possuem um Departamento de Recursos Humanos, pois não são raras as vezes em que ocorre a perda de documentos tal qual folhas de ponto e recibos de pagamentos. Esta documentação devidamente organizada e arquivada é capaz de afastar o principal pedido das reclamatórias trabalhistas que é horas extras;

  • b

    Processos e rotinas desconformes:

    é muito comum que as empresas, de boa-fé, embora acreditem estar cumprindo uma série de normas que lhe são aplicáveis, não tenham conhecimento, por exemplo, de uma novidade legislativa, ou de um entendimento jurisprudencial. Mapear a avaliar os processos internos e as rotinas trabalhistas aplicáveis, à luz da legislação mais atualizada, e dos mais recentes entendimentos dos tribunais sobre o assunto, é essencial dentro da auditoria prévia;

  • c

    Documentos mal elaborados:

    muitas empresas seguem à risca a legislação trabalhista, mas os documentos que comprovam esse compliance ou não existem, ou são mal elaborados. Em muitos casos, por excesso de confiança, ou mesmo por não ter cuidado na elaboração dos documentos, as empresas deixam de produzir elementos e provas essenciais para eventuais defesas, tais como contratos de trabalho, termos e autorizações (relacionados à imagem, dados, propriedade intelectual, por exemplo), recibos de equipamentos, registros de ocorrências, etc.

  • d

    Relacionamento da Equipe:

    os problemas de relacionamento entre funcionários podem escalar de forma descontrolada e tomar rumos indesejados, e na Justiça do Trabalho são comuns os pedidos de indenização por danos morais, perseguição de superiores ou mesmo o assédio moral e sexual;

  • 2

    Melhoria das rotinas e processos

    Depois dessa avaliação geral das normas e entendimentos jurisprudenciais aplicáveis ao negócio, e também de como a empresa atua em relação aos processos internos e rotinas trabalhistas (avaliar o “as is”ou “como está”, na metodologia de gestão de processos), é hora de propor as melhorias e correções necessárias; ou seja, sugerir a implementação de ações para uma versão “to be” dos processos e rotinas trabalhistas.

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    Código de Conduta

    Também após a identificação dos riscos trabalhistas, chega a hora de elaborar um código de conduta adequado ao perfil da empresa. Este documento nada mais é que o conjunto de comportamentos que se espera do empregado dentro e fora da empresa, os conflitos de interesses, questões sobre relacionamentos dentre outros temas.
    Lembrando que, para a elaboração do código de conduta, deve ser realizada uma pesquisa para conhecer os diversos setores e níveis hierárquicos da empresa, identificando quais são situações relevantes e eventuais condutas que são praticadas pelos empregados e que, embora sejam reprováveis pela administração da empresa, porém que acabam sendo toleradas, justamente pela ausência de uma política de condutas.

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    Divulgação e Treinamento

    Após as etapas de melhoria de processos e rotinas e de elaboração do código de conduta, é essencial que os colaboradores tenham acesso aos documentos e suas regras. A efetividade do programa de compliance está atrelada à conscientização de todos os colaboradores acerca da postura que a empresa espera deles. Nesta etapa sugere-se inclusive a realização de treinamentos para garantir que os colaboradores compreendam na prática como os processos deverão funcionar daquele momento em diante. Somente desta forma é possível que a transformação da cultura organizacional seja bem-sucedida.

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    Canais de Denúncia

    A partir do momento em que a empresa aprimorou seus processos e rotinas trabalhistas, e possui um código de conduta/regulamento interno e todos os colaboradores tenham sido conscientizados e treinados para garantir que as condutas estejam alinhadas, pode ser criado um canal de denúncias. Esta é uma forma de permitir aos colaboradores, clientes e parceiros comerciais que possam falar sobre quaisquer irregularidades que tenham sido cometidas, deste modo a gestão poderá promover uma investigação para encontrar e responsabilizar quem está cometendo a irregularidade.

    Em resumo, um colaborador (ou outro stakeholder) poderá realizar uma denúncia, de forma anônima ou não, sobre uma eventual irregularidade cometida por algum superior ou mesmo buscando a resolução de um conflito com outros funcionários. Ou seja, a irregularidade poderá ser avaliada e, se for o caso, resolvida de maneira interna, reduzindo o riscode gerar relevantes passivos futuros.

    Desta forma, dentre outros tantos benefícios, o canal de denúncias não visa apenas ao alinhamento organizacional com as políticas de compliance, mas se torna um verdadeiro diferencial competitivo para a empresa.

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    Monitoramento e Correção de Problemas

    Por fim, é essencial que seja realizado um monitoramento com o objetivo de verificar se as regras estão sendo cumpridas, identificar os problemas e buscar soluções. O sucesso de um programa de compliance somente poderá ser concretizado se o conceito de melhoria contínua (dentro de um clássico ciclo PDCA – plan, do, check and act) e as regras de conduta estiverem de fato sendo adotadas pelos colaboradores, isto é, não basta que seja elaborado um código de ética e conduta, ou mesmo um canal de denúncias, é importante que estas regras estejam sendo aplicadas nas rotinas da empresa.

O compliance trabalhista é um dos pilares da governança corporativa, e seu objetivo é criar e desenvolver uma cultura organizacional, com ética transparência e eficiência de gestão, de modo que toda e qualquer ação, seja interna ou externa, esteja de acordo com as normas jurídicas e coletivas vigentes, e os valores e princípios da empresa.

Na área trabalhista, existem diversas ferramentas específicas para a implementação do compliance, como regulamentos internos, canais de denúncia e códigos de ética e conduta. Em contrapartida, um projeto de conformidade traz uma série de benefícios para a empresa, que terão impacto no ambiente de trabalho, na produtividade e na otimização de recursos, trazendo maior lucratividade nas operações, além de tornar-se um diferencial competitivo.

Lembrando que o compliance deve ser adaptado de acordo com a realidade em que cada empresa está inserida Portanto, com um planejamento adequado, a implementação correta do compliance trabalhista proporcionará benefícios à saúde e imagem reputacional da empresa, pois o ambiente de trabalho se tornará cada vez melhor, proporcionando um melhor engajamento da equipe e aumento da produtividade.

Para concluir, relembramos que a implementação de um projeto de compliance não significa apenas a elaboração de um manual de boas práticas, mas sim, a transformação dos processos e rotinas trabalhistas, que impactam atratividade de talentos, cultura, o clima organizacional, performance de times, valuation e resultados financeiros.

E, logo mais, impactará, inclusive no financiamento e na estrutura de capital dos negócios, assim que os fornecedores de funding passarem a exigir boas práticas de ESG, dentre as quais se inserem as boas práticas relacionadas ao capital humano (conheça mais sobre ESG acessando aqui)

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Por Eduardo de Lucas / , / 8 junho, 2021

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