Independentemente do tamanho da empresa, se de responsabilidade limitada ou não, há uma questão que muitas delas enfrentam quando da admissão de novos sócios (ou, visto de outro lado, quando da venda de participação societária): caracterização de ágio ou de ganho de capital e o pagamento dos tributos (IRPJ e CSLL) correspondentes.
O objetivo deste artigo é trazer informações claras e objetivas sobre os impactos tributários nesta operação.
Para tanto, dois caminhos macro foram analisados:
I – entrada primária
II – entrada secundária
I – Entradas primárias pressupõem a emissão de novas cotas; os sócios que já pertencem ao quadro podem, ou não, subscrevê-las. A não subscrição implica diluição dos poderes político e financeiro (base aumentada; mesmo percentual de cotas). Quanto aos novos sócios, podem ingressar por meio de capital a integralizar, a ser quitado a prazo. Caso não haja pagamento, a retirada do novo sócio pode ser realizada sem muitos questionamentos jurídicos, uma vez que a sociedade foi prejudicada.
Diante dos pontos positivos e da viabilidade societária, foram traçadas algumas perguntas na seara tributária: a) partindo da premissa de que o valor contábil da participação societária é baixo, qual seria a tributação da operação caso as novas cotas fossem subscritas de acordo com a expectativa de rentabilidade futura (ágio)? b) haveria possibilidade de emissão de cotas com valores nominais diferentes ou sem valor nominal; quais as implicações para fins de incidência tributária?
II – Entradas secundárias retratam revenda de cotas (capital) já existentes. Têm como vantagem a possibilidade de negociação de cotas sem aumento de capital. Esta operação pode ocorrer por meio dos sócios/pessoas físicas (eles “revendem” diretamente as cotas que possuem para os sócios entrantes); contudo, caso o pagamento não seja feito, a retirada dos novos encontra alguns empecilhos jurídicos, considerando que a pessoa jurídica não foi diretamente prejudicada. A revenda também pode ser viabilizada mediante a negociação das cotas (já integralizadas) pelos sócios com a própria empresa (tesouraria), para que depois ela as revenda a terceiros. O pagamento do entrante também poderia ser realizado a prazo. O inadimplemento implica retirada (sem muitos questionamentos jurídicos).
Neste contexto, foram elaboradas as seguintes questões tributárias: a) qual a incidência tributária da operação entre pessoas físicas (sócios já constantes do quadro e sócios entrantes)? b) caso a compra e venda se dê com ações alocadas em tesouraria, como seria a tributação de eventual ganho de capital, considerando que esta operação (compra e venda de participação societária) não faz parte do objeto social da empresa?
Para fins didáticos, as perguntas relacionadas no item II serão tratadas previamente às indicadas no item I.
Conceitos (prévios) importantes
(Conta de) Capital Social. Pode ser compreendido como o investimento, em dinheiro ou bens, que os sócios/acionistas fazem em proveito da pessoa jurídica por eles constituída para fomentar a sua atividade social. Abrange não só o aporte inicial feito pelo sócios na integralização do capital, como também os valores obtidos pela sociedade e que, por decisão dos proprietários, foram incorporados ao capital. Em ambos os casos, os valores originários do investimento dos sócios, sejam por subscrição ou renúncia a distribuição de lucros, visam prover de recursos necessários a entidade no período pré operacional e fomentar as atividades no período operacional.
(Conta de) Reservas de Capital. Constituídas de valores recebidos pelas cias e que não transitam pelo resultado como receitas, por se referirem a valores destinados a reforço de seu capital, sem terem como contrapartidas qualquer esforço da empresa em termos de entrega de bens ou de prestação de serviços. Constam como tais reservas o ágio na emissão de ações, a alienação de partes beneficiárias e de bônus de subscrição. Essas são transações de capital com os sócios/acionistas.
As reservas de capital possuem destinação própria (art. 200 LSA): absorção de prejuízos, resgate, reembolso, compra de ações, resgate de partes beneficiárias, incorporação ao capital, pagamento de dividendo a ações preferenciais. Isso significa que estes valores não podem transitar livremente.
Ganho de capital. O lucro proporcional à parcela do preço recebida referente à venda de bens do ativo não circulante classificados como investimentos, imobilizado ou intangível, para recebimento do preço, no todo ou em parte, após o término do ano calendário seguinte ao da contratação.
Ágio. Expectativa de rentabilidade futura (goodwillI). Ocorre na emissão de ações por preço superior ao nominal, ou a parte do preço de emissão de ações sem valor nominal destinada à formação de reservas de capital.
Entradas secundárias
Cotas em tesouraria
Nas sociedades limitadas, a regra é a de que os direitos políticos e patrimoniais dos sócios são medidos pela proporção entre valor das cotas e o valor do capital social da sociedade; já nas SAs, os direitos políticos e patrimoniais são medidos com base na quantidade e natureza das ações de cada acionista em relação à quantidade e natureza das ações que representam o capital social da companhia.
Caso a venda (pela sociedade) das cotas alocadas em tesouraria seja superior àquele referente ao custo de aquisição (pela sociedade dos sócios pertencentes ao quadro societário), haverá lucro (ganho de capital) e este, por sua vez, poderá sofrer incidência tributária (IRPJ e CSLL).
Isso porque, segundo entendimento do CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), as sociedades limitadas – independentemente do regime de tributação – não podem se valer do que vem disposto no art. 520 RIR/18[1] (regra isentiva), aplicável, somente às SAs:
Acórdão: 1302-003.945
Número do Processo: 11065.003132/2005-78
Data de Publicação: 08/10/2019
Contribuinte: CALCADOS BIBI LTDA
Relator(a): PAULO HENRIQUE SILVA FIGUEIREDOEmenta: ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA JURÍDICA (IRPJ) Ano-calendário: 2002 SOCIEDADE DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. QUOTAS EM TESOURARIA. VENDA. LUCRO. RECEITA TRIBUTÁVEL. INTERPRETAÇÃO LITERAL. A previsão legal da exceção de incidência prevista no artigo 442 do RIR/99, aplica-se exclusivamente ao lucro auferido na venda de ações pelas empresas constituídas sob a forma de sociedade anônima, não alcançando aquele decorrente da venda de quotas de sociedade de responsabilidade limitada, por força da interpretação literal determinada pelo art. 111 do CTN.
Decisão: Acordam os membros do colegiado, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso voluntário, nos termos do relatório e voto do relator. (documento assinado digitalmente) Luiz Tadeu Matosinho Machado- Presidente (documento assinado digitalmente) Paulo Henrique Silva Figueiredo – Relator Participaram do presente julgamento os conselheiros Paulo Henrique Silva Figueiredo, Gustavo Guimarães.
Ainda que as sociedades limitadas sejam regidas supletivamente pelas SAs, mesmo que tenham preenchido os requisitos o art. 30, da LSA (para alocação de cotas em tesouraria), e que tenham alocado o “lucro” obtido na venda de cotas na conta “reserva de capital”[2], para as optantes pelo lucro presumido, a diferença entre o custo de aquisição e de venda da participação societária estará sujeita (em sua totalidade, ou seja, sem qualquer aplicação de presunção de lucro), a 15% (mais adicional de 10%[3]) de IRPJ e de 9% de CSLL (34% total).
A conclusão aplica-se para os casos em que o objeto social da empresa não esteja vinculado à compra e venda de participações societárias, conforme Cosit 347/17 e Cosit 6008/18 (isso é, trata-se de venda de ativo imobilizado/permanente):
Cosit 347/17
Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ
Lucro Presumido. Participação Societária. Alienação. Receita Obtida.
A receita obtida na alienação de participação societária de caráter não permanente por pessoa jurídica que tenha com um de seus objetos sociais a compra e venda de participações societárias deve ser computada como receita bruta, integrando a base de cálculo do imposto apurado com base do lucro presumido. O percentual de presunção a ser aplicado é de 32%.
A alienação de participação societária de caráter permanente está sujeita à apuração de ganho de capital, que deve ser diretamente computado na base de cálculo do imposto.
Assunto: Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL
Lucro Presumido. Participação Societária. Alienação. Receita Obtida.
A receita obtida na alienação de participação societária de caráter não permanente por pessoa jurídica que tenha como um dos seus objetos sociais a compra e venda de participações societárias deve ser computada com receita bruta, integrando a base de cálculo da contribuição apurada com base no lucro presumido. O percentual de presunção a ser aplicado é de 32%.
A alienação de participação societária de caráter permanente está sujeita à apuração de ganho de capital, que deve ser diretamente computado na base de cálculo da contribuição.
Este entendimento (ganho de capital diretamente aplicado à base de cálculo do IRPJ e da CSLL) encontra respaldo nos arts. 25, da Lei n.º 9430/96, 39, da INSRF 1700 (bem como o art. 595, RIR/18).
Desta análise infere-se que o tipo societário interfere no entendimento tributário acerca da matéria, a despeito dos conceitos contábeis a ela afetos (de lucro, de reserva de capital).
Em outras linhas, considerando o caso de uma sociedade de responsabilidade limitada ter realizado a venda de cotas em tesouraria, ainda que tenha alocado o “lucro” na conta de reserva de capital (isso é, aquela decorrente de transação de capital e, por isso, não geradora de receita porquanto alheia à atividade empresarial usual), a operação é tributada, independentemente do regime tributário optado (se real ou presumido).
Resumo: tributação do ganho de capital, na totalidade, no importe de 15% (e 10% de adicional) e 9% de CSLL.
Pagamento diferido do preço: o ganho de capital é apurado como alienação à vista e os tributos devem ser pagos de acordo com os recebimentos das parcelas, até o último dia útil do mês subsequente ao do recebimento. O ganho de capital diferido é calculado aplicando-se o percentual resultante da relação entre o ganho de capital total e o valor total da alienação sobre o valor de cada parcela recebida.
Venda de contas feita por sócios
Premissas para o caso de venda de cotas por sócios já integrantes do quadro:
- “revenda” de cotas pertencentes aos sócios já integrantes do quadro para os sócios entrantes;
- Operação realizada entre pessoas físicas.
Caso seja apurado ganho de capital (diferença positiva entre valor de aquisição/contábil e o de venda), haverá, sobre este montante, incidência de IRPF no importe de:
- 15% sobre a parcela de ganhos que não ultrapassar 5 milhões;
- 17,5, que exceder 5 mi e não ultrapassar 10 milhões;
- 20%, que exceder 10 mi não ultrapassar 30 milhões;
- 22,5%, sobre parcela dos ganhos que ultrapassar 30 milhões. (cf. art. 1º da Lei n.º 13.259/16)
Ressalva. Isenção referente à tributação do ganho de capital de pessoa física: art. 22, da Lei n.º 9520/95.
Entradas primárias
No caso de entradas primárias, as sociedades anônimas e limitadas emitem ações/cotas (respectivamente), que podem ter valor igual àquele constante do capital social, correspondente ao valor real do ativo (proporcionalidade entre capital social e valor de cotas). Em linhas gerais, sendo a venda feita por montante superior[4] (ao real), configurado está o ágio.
Ágio é a diferença entre o valor de um bem/ativo e o valor que é efetivamente pago por ele. No caso em estudo, falar-se-á de ágio na subscrição de quotas e de ações, decorrente de pagamento por quotas ou ações do capital social em um valor superior ao patrimonial da referida quota ou da ação.[5]
Ressalva. Custo de aquisição. Caso o investimento seja avaliado pelo valor do patrimônio líquido, o custo de aquisição deverá ser desdobrado em: valor do patrimônio líquido; mais ou menos valia (diferença entre o valor justo e o patrimônio líquido), ágio (em linhas gerais, diferença entre o custo de aquisição e a soma dos outros dois itens anteriores).
Especificamente para as SAs[6], a emissão de cotas pode ser feita com ou sem valor nominal. No primeiro caso, o montante que ultrapassar o valor nominal será alocado na conta de reserva de capital; no segundo caso, serão destinadas à referida conta a parte do preço que ultrapassar a importância destinada à formação do capital social:
Art. 182[7] (LSA). A conta capital social discriminará o montante subscrito e, por dedução, a parcela ainda não realizada.
- 1º. Serão classificadas como reserva de capital as contas que registrarem: a) a contribuição do subscritor de ações que ultrapassar o valor nominal e a parte do preço de emissão das ações sem valor nominal que ultrapassar a importância destinada à formação do capital social, inclusive nos casos de conversão em ações de debêntures ou partes beneficiárias;
No que toca ao preço de emissão da ação, o art. 170 da LSA disciplina que deverá ser fixado, “tendo em vista, alternativa ou conjuntamente:”
I – a perspectiva de rentabilidade da companhia;
II – o valor do patrimônio líquido da ação;
III – a cotação de suas ações em Bolsa de Valores ou no mercado de balcão organizado, admitido o ágio ou deságio em função das condições de mercado.
Ainda seguindo os regramentos específicos das SAs, o ágio – sempre alocado na conta de reserva de capital, rememore-se, não será computado na determinação do lucro real e, portanto, deixa de ser atingido pelo IRPJ e pela CSLL. A “isenção”[8] decorre do já citado art. 442 RIR/99 (atual art. 520, RIR/2018) c/c art. 38 do Decreto-Lei n.º 1598/77.
As ilações feitas no item anterior aplicam-se, neste ponto, a este. Isso porque a interpretação conferida pelo CARF à letra do art. 442,RIR-99 (art. 520, RIR/18) é empregada tanto para os casos de lucro na venda de ações mantidas em tesouraria quanto para o ágio na emissão de ação com e sem valor nominal – vale dizer, a regra isentiva somente atinge as SAs (deixando de fora as limitadas).
Hoje há entendimento (CARF) que a conceituação contábil de resultado[9] não poderia isentar as limitadas de serem tributadas quando apurado o ágio, pelo simples fato de não se tratarem de sociedade anônima.
Considera-se irrelevante, portanto, o fato de os valores afetos à conta de reserva de capital (repise-se) não transitarem na conta de resultado – este sim, tributável.
Ainda que questionável, este é o posicionamento que atualmente prevalece: tal como no ganho de capital, a apuração de ágio deve integrar, na totalidade, a base de cálculo na apuração do lucro presumido, havendo assim incidência de IRPJ e de CSLL (34% no total) – redação dos já citados arts. 39 e ss. da INSRF 1700.
Resumo: emissão de contas sem valor nominal por sociedade limitada optante pelo lucro presumido; alocação em capital social; eventual não tributação; ressalvas feitas relacionadas ao ganho de capital e ao ágio; incidência (havendo), na totalidade, no importe de 15% (e 10% de adicional) e 9% de CSLL.
PIS/COFINS. Em nenhum dos casos há incidência de PIS/COFINS em razão de os valores em estudo não integrarem a respectiva base de cálculo (faturamento). Cosit 347/17
[1] Art. 442, RIR/99 (atual art. 520 RIR/2018): Não serão computadas, para fins de determinação do lucro real, as importâncias creditadas à reserva de capital que o contribuinte, como a forma de companhia, receber dos susbscritores de valores mobiliários de sua emissão a título de: I – ágio, na emissão de ações por preço superior ao valor nominal ou a parte do preço de emissão de ações sem valor nominal destinadas à formação de reserva de capital; (…) III – lucro na venda de ações em tesouraria.
[2] O que também seria possível para as sociedades limitadas (art. 182,§2º LSA) optantes pelo regime do lucro presumido.
[3] Lucros acima de 20 mil/mês.
[4] Art. 11 e 13 da LSA. Determinação, pelo estatuto, sobre a existência de ações sem valor nominal; vedação expressa quanto à emissão de ações em valor inferior ao nominal.
[5] CRUZ, Leonardo Mendes. O imposto de renda sobre o ágio na subscrição de quotas em sociedades de responsabilidade limitada. Uma análise do recurso do processo de número 13899.002346/2003-88 do CARF. Fundação Getúlio Vargas. Escola de Direito de São Paulo.
[6] Faremos o paralelo com as sociedades limitadas.
[7] Inserido na Seção III (Balanço Patrimonial), item “Patrimônio Líquido”.
[8] Tecnicamente seria o caso de não incidência, considerando a não configuração de receita/lucro líquido.
[9] Em contrapartida, a receita é sempre decorrente da atividade empresarial usual, de onde resulte a entrada de recursos ou aumento no ativo ou redução no passivo, com efeito positivo no patrimônio líquido. O aspecto central de diferenciação entre elas diz receito de onde se originam os ingressos econômicos; na primeira (reserva de capital) decorre de aportes dos sócios/investidores com o fim de fomentar o objeto social da pessoa jurídica, enquanto na segunda, decorrem da própria atividade empresarial da empresa e tem efeito positivo sobre a apuração do resultado da empresa (…). (Processo 19515.720522/2015-44, CARF.)
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