Método POC e o reconhecimento de receita para distribuição de resultado nas incorporações

Por: Mariane Toyohara /
16 novembro, 2022

O POC se refere a “Percentage of Completion”, em inglês, ou Percentual de Desempenho/Conclusão. É uma metodologia utilizada para reconhecer as receitas de empreendimento imobiliários – ou, para traduzir, que é hábil a identificar o momento em que, na contabilidade, determinado valor seria enquadrado como “sujeito a distribuição” (ainda que a obra não esteja finalizada).

O setor imobiliário é caracterizado por um ciclo de produção longo. As regras até então existentes impunham o cumprimento de muitas diretrizes para que os resultados pudessem chegar aos empreendedores/investidores; em suma, não havia regulamentarmente muita escapatória: ou se comprovava a entrega do produto pronto (transferência) ou se garantia, com certo grau de risco, a distribuição “antecipada”.

A sistemática gerava desconforto tanto para o empreendedor quanto para o consumidor final: se o reconhecimento da receita é feito somente ao final, o empreendedor não tem qualquer retorno ao longo da execução da obra;, por outro lado, havendo a “retirada” de dinheiro, sem a aplicação de qualquer metodologia contábil robusta, abria-se brechas para questionamentos fiscais que poderiam, ou não, resultar com a não entrega da obra.

 

Reconhecimento de receita

Dentro deste contexto é que os institutos de pronunciamento contábil (CPC) e comissão de valores imobiliários (CVM) estabeleceram procedimentos contábeis para ajudar a equalizar esses interesses e direcionar as empresas quanto ao reconhecimento da receita advinda da atividade de incorporação imobiliária.  

O reconhecimento de receita das vendas de unidades imobiliárias em construção – à vista ou a prazo –  pode ocorrer de duas formas: 

  1. “At a point in time”: em momento específico (p. exemplo, entrega das chaves – referidas anteriormente, como o modelo “tradicional”); ou 
  2. “Over time”: ao longo do tempo, conforme a satisfação das “obrigações de performance” contratuais (p. exemplo, andamento físico da obra – método POC).

Para o pronunciamento contábil (CPC 47, vigente a partir de 2018), o reconhecimento de receitas desse tipo de contrato deve seguir alguns critérios, a partir de um enfoque baseado no cumprimento de obrigações de desempenho ou performance.

Foto de Expect Best: https://www.pexels.com/pt-br/foto/vista-de-baixo-angulo-do-predio-de-escritorios-contra-o-ceu-323705/

Dito de outro modo, para ele – e no que se refere ao POC – , a receita deve ser reconhecida a partir da mensuração do progresso da obra em relação à satisfação completa da obrigação de performance (porcentagem do desenvolvimento da obra, a partir dos custos incorridos até o fechamento contábil daquela fase; o custo total/orçado para o término da construção). Ainda, o método escolhido deve ser mantido até o cumprimento final da obrigação (itens 39 e 40 do respectivo CPC).

Como esses contratos de construção são característicos por um ciclo de produção extenso e transitam por vários exercícios fiscais, essa ferramenta consegue permite realizar o reconhecimento das receitas de vendas já efetuadas, de forma proporcional, ao longo do tempo, aos custos incorridos na construção em análise ao custo orçado para todo o contrato.

É, portanto, uma via regulamentarmente aceita para distribuição de lucro ao longo da execução do empreendimento. 

 

Aplicação da Metodologia POC

Os institutos de pronunciamento contábil (CPC) e comissão de valores imobiliários (CVM – Ofício-Circular 02/2018), entendem que, para a adoção do POC, seria necessária uma estrutura de controles internos robusta para representar de forma fidedigna os acontecimentos ao longo do processo.

Determinam, também, que a política contábil sempre esteja alinhada com a contratual, de forma que existam cláusulas específicas que regulem a transferência de controle do bem, ao longo do tempo, alinhado com as mensurações e previsibilidade quanto ao desenvolvimento do empreendimento (indicadores de performance).

E se, na prática,  essas métricas não estiverem descritas de forma pormenorizada no contrato firmado na venda do produto final (unidade imobiliária, por exemplo)?

O POC – visando à distribuição de lucros antes da entrega da obra – seria recomendável se houver registro e análise entre custo incorrido e custo orçado, bem como o reconhecimento efetivo de margem de lucro, vendas, adimplências/inadimplências no empreendimento.

Foto de Timur Saglambilek: https://www.pexels.com/pt-br/foto/edificio-de-concreto-branco-sob-o-ceu-azul-ensolarado-87223/

Uma vez mais, de forma “traduzida” a receita sujeita à distribuição poderá ser reconhecida quando, feito o cálculo abaixo, e verificado os fluxos de adimplência e inadimplência, restar um superávit, que daria margem para executar as outras fases da obra:

Receita reconhecida = Custo incorrido/ acumulado Custo Orçado  x Preço Ajustado

Portanto, é imprescindível que haja controles bem estabelecidos na empresa, tanto de gestão contábil quanto financeira, para que os empreendedores sejam capazes de provar que os valores recebidos, os valores gastos e os valores orçados para a execução das outras fases, dentro do fluxo de caixa, estão equilibrados, como garantia de que a obra será finalizada. 

O mesmo racional da metodologia do POC pode ser aplicável ao valor do terreno quando há parcerias de permuta física ou, ainda a própria aquisição do terreno para incorporação imobiliária.

 

POC e a questão dos reembolsos

A Lei (Federal 4.591/64) permite que certas despesas sejam pagas de volta pelo construtor durante a construção, como o preço do terreno e investimentos adicionais.

À medida que as propriedades forem vendidas, o valor que foi adiantado para comprar o terreno poderá ser reembolsado para a incorporadora proprietária do terreno.

Nesse sentido, quando a unidade for vendida e houver análise entre e custo real comparado ao custo estimado, o reembolso pode ocorrer na proporção da participação do comprador (de acordo com o artigo 31 A, §7º, da Lei Federal 4.591/64), desde que o terreno tenha sido totalmente integralizado e quitado no início da incorporação.

Assim, todos os valores que tenham sido investidos previamente, e que não sejam oriundos de financiamento para a obra ou de venda de unidades, também poderão ser reembolsados à medida que as unidades foram sendo vendidas (art. 31 A, §6º da Lei), desde que não se comprometa a liquidez da obra e o adimplemento das despesas correntes do empreendimento.

 

Valores excedentes no entendimento da POC

Outro ponto importante é que, se houver valores excedentes ao necessário para fazer frente às obrigações da construção e demais obrigações acessórias da entrega do empreendimento, eles estão excluídos do patrimônio de afetação, caso existente (cf. art. 31-A, § 8°, I, da Lei 4.591/64).

Desse modo, se observada a sistemática de controle (registro e análise da contábil entre custo incorrido x custo orçado + reconhecimento efetivo de margem de lucro, vendas, adimplências/inadimplências), a incorporadora está apta a reconhecer o montante como lucro apurado.

Sobre o tema, há um interessante entendimento da Solução de Consulta nº 125 – SRRF09/Disit, de julho de 2013: 

“[…] as receitas mensais recebidas oriundas da venda de unidades imobiliárias de uma incorporação submetida ao RET, antes do término da obra, podem ser utilizadas para pagamento de custos e despesas de outras obras, mesmo que estas não estejam no regime de afetação, desde que esses recursos excedam a importância necessária para a conclusão da obra, considerando-se os valores a receber até sua conclusão e, bem assim, os recursos necessários à quitação de financiamento para a construção, se houver. 

Sopesadas essas questões, conclui-se que o reconhecimento de receitas pode ser implementado pelo emprego de metodologias distintas, desde que observados os critérios contábeis estabelecidos e esmiuçados acima.

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