Por Laila Gerdulli / Direito Societário / 21 julho, 2020

Continuando nossa série de artigos sobre repasse de ponto, vamos tratar do contrato de compra e venda de ativos como forma de realizar essa operação.

Diferentemente do trespasse, esse contrato não tem previsão legal e, por isso, não é necessário seguir todas aquelas exigências. No entanto, há alguns cuidados que, se tomados, podem garantir mais segurança à operação:

Listagem detalhada dos bens negociados

É importante listar todos os bens negociados – assim, sabe-se exatamente o que pode ser exigido e o que não pode.

Exemplos dos bens a serem listados são o próprio imóvel, as mesas, cadeiras, lustres, placas, fachadas, freezers, geladeiras, estoque e insumos, eventual matéria prima, maquinário, eletrodomésticos diversos etc. A lista deve ser rubricada e assinada por todas as partes.

Caso não haja essa listagem, o comprador que reformar o ponto, por exemplo, e adquirir novos móveis e aparelhos corre o risco de responder com tais bens por eventuais dívidas ocultas que surgirem em face do vendedor.

Débitos anteriores (conhecidos e desconhecidos)

É preciso, também, que haja no contrato previsão específica a respeito dos débitos anteriores à compra e venda, tanto conhecidos (se houver) quanto desconhecidos. Essa é uma obrigação do contrato de trespasse, mas também é muito relevante no contrato de compra e venda de ativos.

Suponha que o novo proprietário esteja de acordo com a assunção dos débitos X e Y mediante abatimento no preço pago pelo ponto. Feito o negócio e passados alguns meses, esse mesmo proprietário toma ciência da existência de uma certa dívida Z, de grande valor, pela qual não recebeu qualquer desconto no preço e da qual nem sequer tinha ciência.

Nesse caso do exemplo, caso tenha constado genericamente, em contrato, que o comprador responderá por débitos passados (na intenção de que ele assumisse as dívidas X e Y), ele será obrigado também a quitar a dívida Z.

Portanto, deve haver previsão específica acerca de quais débitos (conhecidos) estão sendo assumidos, junto também de previsão acerca da responsabilidade por débitos anteriores e até então desconhecidos – se ficarão com o vendedor ou com o comprador ou ainda se haverá direito de ressarcimento nesses casos.

Locação do ponto

Via de regra, a questão da locação não costuma ser um problema, mas deve-se considerar que o locador cause algum transtorno aos negociantes ao, por exemplo, recusar-se a assinar contrato de locação com o novo proprietário.

Para evitar que algo assim ocorra após a compra e venda, o dono do imóvel ou imobiliária deve ser procurado com antecedência, e o novo proprietário deve negociar diretamente com ele a respeito da locação ou da elaboração de um aditivo.

Quadro de funcionários

As partes devem negociar, também, a respeito de eventuais funcionários que já trabalham na empresa.

Idealmente, os contratos de todos deverão ser rescindidos, com a contratação de outros empregados. Essa seria a maneira mais segura de evitar alegações de sucessão empresarial.

Uma outra opção é rescindir o contrato dos funcionários que trabalham para o vendedor (que então pagará de imediato todas as verbas rescisórias devidas), e imediatamente recontratar esses mesmos funcionários para que trabalharem para o comprador (que ficará responsável pelas verbas trabalhistas que surgirem a partir daí).

O problema é que, assim procedendo, corre-se o risco de que o empregado consiga o reconhecimento judicial de vínculo único, responsabilizando o novo proprietário por eventuais verbas faltantes ou sucessivas da época em que trabalhava para o antigo.

Opção também bastante comum é que o vendedor se responsabilize pelo pagamento das verbas rescisórias daqueles empregados mais antigos, de confiança, enquanto o adquirente se responsabilize pelo débito trabalhista dos funcionários com cargo de maior rotatividade.

Cabe lembrar, no entanto, que, em um processo judicial, dificilmente, as disposições acordadas entre vendedor e comprador no contrato servirão para afastar a responsabilização de um ou de outro de maneira imediata, especialmente na esfera trabalhista.

Efeitos das cláusulas de responsabilização

É importantíssimo, como já reiteradamente salientado, prever no contrato qual das partes se responsabiliza pelo quê. É necessário ressaltar, porém, que todas as cláusulas de responsabilidade possuem eficácia entre as partes, mas não necessariamente perante terceiros.

Por exemplo, um empregado que ajuíze uma ação trabalhista contra o adquirente e contra o vendedor ao mesmo tempo, muito provavelmente conseguirá uma sentença favorável contra os dois (ainda que só tenha laborado para um). Até seria possível tentar explicar, na ação trabalhista, quem era o empregador de fato, mas a tentativa provavelmente seria em vão, em razão do protecionismo trabalhista. E o mesmo vale para débitos fiscais.

Isso, porque a cláusula de responsabilidade é redigida, principalmente, para as partes – e por isso é que tanto se bate na tecla de assunção de dívidas e responsabilidades, em diversos momentos da contratação.

Elas é quem conferem à parte injustiçada o direito de ser ressarcida – diferentemente de não responsabilizada – por dívidas que não assumiu.

Irrevogabilidade e irretratabilidade

A chamada “cláusula de irrevogabilidade e irretratabilidade” é a responsável por garantir que o negócio não seja desfeito; por garantir que nenhuma das partes se arrependa do negócio e queira voltar ao estado de antes do contrato.

Se, por exemplo, o comprador deixar de pagar as parcelas do contrato, ao vendedor será permitido somente processá-lo para receber o dinheiro devido, mas jamais para “reaver o ponto”, desfazendo o pactuado.

Em suma, com essa cláusula, a parte lesada não poderá requerer o fim do negócio, mas tão somente o direito que foi ou vem sendo violado (p. ex., o recebimento das parcelas do pagamento pelo vendedor).

Averbação na Junta Comercial

Embora a averbação na Junta Comercial seja requisito necessário somente ao contrato de trespasse (e não ao contrato de compra e venda de ativos), é possível que as partes convencionem, a seu interesse, uma averbação na Junta, sem remissão clara à nomenclatura “trespasse”, com o intuito de indicar a terceiros a transferência de responsabilidades.

É importante lembrar que, mesmo com todas essas medidas, há o risco de que a operação seja considerada um trespasse irregular, conforme comentamos no primeiro artigo da série.

Ainda assim, esse modelo pode valer a pena, a depender da situação, especialmente se tomados os cuidados aqui elencados e considerados, por ambas as partes, os riscos envolvidos.

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