Por Laila Gerdulli / Direito Societário / 28 julho, 2020

É inegável que a Covid-19 trouxe uma forçada transformação digital às empresas de todo o mundo – a maioria delas se viu obrigada a realizar digitalmente processos que, há poucos meses, pareciam ser essencialmente presenciais.

A proibição de aglomerações e de abertura de estabelecimentos acabou motivando também a flexibilização de algumas normas empresariais, a fim de possibilitar que essa transformação ocorresse.

Um grande exemplo disso foi a permissão expressa de assembleias digitais e semipresenciais, que se deu por medida provisória e, mais recentemente, por lei. Além disso, o tema ganhou regulamentação aprofundada pelo DREI – o departamento do Ministério da Economia responsável pela criação de normas relativas ao registro de empresas.

De acordo com essas normas, as sociedades empresárias podem realizar reuniões e assembleias em dois novos formatos: no formato digital, isto é, em que todos os sócios participam e votam, obrigatoriamente, desta forma, ou semipresencial, quando houver a opção de participar e votar presencialmente ou digitalmente.

Os instrumentos-chave para a realização da reunião ou assembleia de alguma dessas maneiras são o sistema eletrônico e o boletim de voto.

O sistema eletrônico a ser adotado deve garantir uma série de requisitos:

  • segurança, confiabilidade e transparência da reunião;

  • registro de presença dos sócios;

  • participação a distância do sócio durante toda a reunião;

  • exercício do voto a distância, bem como o seu respectivo registro;

  • possibilidade de visualização de documentos apresentados durante a reunião;

  • possibilidade de a mesa receber manifestações escritas dos sócios;

  • gravação integral da reunião, que deverá ficar arquivada na sede da sociedade; e

  • participação de administradores, pessoas autorizadas e pessoas cuja participação seja obrigatória.

Embora sejam, à primeira vista, requisitos numerosos, perceba-se que a instrução normativa não exige características técnicas de segurança extremamente avançadas; na verdade, boa parte das ferramentas já disponíveis para realização de reuniões online cumprem esses requisitos – e há, ainda, outras voltadas exclusivamente para este fim.

Já o boletim de voto a distância é um documento enviado a cada um dos sócios na data da publicação da primeira convocação da reunião ou assembleia a que se refere.

Ele deve conter todas as matérias constantes da ordem do dia, as orientações sobre o seu envio à sociedade, com indicação dos documentos que devem acompanhá-lo para identificação do sócio, e orientações a respeito das formalidades necessárias para que o voto seja considerado válido.

O sócio deve imprimir e preencher o boletim, observando as orientações nele descritas, devolvê-lo à sociedade em até cinco dias antes da reunião ou assembleia – caso haja algum problema com o documento (que impeça a validação do voto, por exemplo), a sociedade poderá informá-lo a tempo.

Importante notar que todo o processo de envio e recepção do boletim de voto pode também ser feito eletronicamente – por e-mail, por exemplo.

Além disso, mesmo tendo enviado o boletim, o sócio pode participar da reunião ou assembleia semipresencial ou digital da mesma, podendo inclusive mudar seu voto (caso quem que o boletim será desconsiderado).

E quando a pandemia acabar?

A princípio, a previsão expressa na lei permitindo a realização de reuniões e assembleias a distância tem caráter provisório.

A Lei 14.010/20, que dispõe sobre normas de caráter provisório em razão da Covid-19, permite a realização de assembleias eletrônicas (inclusive por associações) somente até o dia 30 de outubro deste ano.

Paralelamente, foi publicada no final de março (e ainda está vigor) a Medida Provisória nº 931, que alterou o Código Civil para tornar permanente essa permissão; no entanto, ela depende de aprovação (e não alteração) na Câmara dos Deputados e no Senado para se manter.

No entanto, cabe lembrar que as sociedades empresárias, especialmente a limitada, têm caráter contratual. Isto é: os sócios têm liberdade de prever em contrato as regras que regem a sociedade, desde que não contrariem a lei.

Caso não seja mantida a regra expressa na lei, esse certamente será um assunto entre os profissionais do direito empresarial. Mas, considerando que as diretrizes dos órgãos registrais são claramente favoráveis a essa questão, com base nas diretrizes da Lei da Liberdade Econômica, e que a evolução dos negócios para o digital é imparável, as assembleias e reuniões a distância, sem dúvidas, não deverão acabar junto com a pandemia.

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